terça-feira, 9 de agosto de 2011

artigo


HISTÓRIAS

Francisco de Assis de Freitas Silva*

Nos muitos capítulos da História recente do Brasil, alguns, talvez, necessitem ser reescritos por encontrar-se envoltos em denso nevoeiro ou sob as brumas das lendas. Um desses capítulos faz referencias à Guerrilha do Araguaia, que entre seus membros estava o atual deputado federal por São Paulo, José Genoíno, cearense de Quixeramobim.  Esta começou mais ou menos em 1967, no sul do Pará e foi dizimada entre os anos de 72 e 74 pelas forças armadas durante a ditadura militar nos governos de Médici e Geisel. Entre os mortos e desaparecidos pertencentes ao movimento, encontra-se a lendária figura de Osvaldão (Osvaldo Orlando da Costa), negro, mineiro de Passa Quatro, engenheiro de minas, ex- militar, com quase dois metros de estatura e de liderança nata; até hoje se cogita apenas o local de seu sepultamento, sendo que seus restos mortais jamais foram encontrados. Outro capítulo diz respeito aos fatos que conduziram a capital carioca, de antiga capital federal e ainda hoje conhecida como a Cidade Maravilhosa, destino de turistas do mundo inteiro, reduto de boêmios e palco dos grandes carnavais, a se transformar em ninho de bandidos e traficantes de drogas, armados de fuzis, granadas e pistolas automáticas vindas dos mais poderosos exércitos do mundo.
Que conjunto de fatos culminou para transformá-la numa cidade em constante ‘’guerra civil’’? Onde as tropas policiais usam armas de guerra e veículos blindados para enfrentar o crime organizado, onde as forças policiais estão entre as mais desacreditadas do país por culpa da corrupção e outro dia, um juiz federal, vendo uma barreira da polícia civil, pensando tratar-se de bandidos, empreendeu marcha à ré e foi alvejado pelos policiais, juntamente com duas crianças, só escapando por milagre de Deus? Muitos culpam a ditadura militar, que transformou as forças públicas em aparelho de tortura e repressão a serviço do Estado, que ainda hoje existem resquícios dessa servidão e que em determinado momento juntou, em um mesmo recinto, presos políticos com criminosos comuns na prisão da Ilha Grande, tendo nascido aí o embrião do chamado crime organizado no Brasil, o Comando Vermelho. A verdade é que em algum momento da história algum governante não cumpriu seu papel, não observou o que se passava a sua volta e não imaginou em que se transformaria a cidade maravilhosa, que entre outros aspectos que ajudam o crime a se desenvolver está a sua particular geografia.
O que de comum existe nestas peculiares histórias é que elas ocorreram em regiões com pouca ou nenhuma assistência do Estado, em locais de difícil acesso e com seus moradores vindos, desde muito cedo, das camadas sociais menos favorecidas; ex-escravos e mestiços nos morros cariocas e, posteriormente, nordestinos fugindo da seca, enquanto que no Pará a grande massa era formada, sobretudo, por índios, mestiços, nordestinos e seus descendentes que vieram trabalhar nos seringais durante o ciclo da borracha, muitos deles forçados ou enganados. E todos tinham em comum, além da origem humilde, a pouca instrução.
Em seus primeiros anos, a jovem República do Brasil, viveu momentos tensos e nervosos, por exemplo, durante o Estado Novo de Vargas (1937 a 1945), sendo que na maior parte desses períodos, o governo preferia que seu povo fosse uma massa inculta e sem educação para melhor dominá-la e manipulá-la. Ainda falando sobre história, lembremos o que houve no Japão no final da segunda Guerra Mundial (1939 a 1945): os aliados, liderados pelos americanos, já haviam derrotado os alemães, enquanto que os guerrilheiros italianos haviam fuzilado o ditador Mussolini e sua esposa; faltava, portanto, derrotar o terceiro país do Eixo, o Japão. Os japoneses eram governados por um imperador e seu exército vivia sob uma rígida disciplina militar, com moldes no código de honra dos samurais japoneses; portanto, a rendição seria uma desonra. Não tendo mais paciência para lutar e querendo mesmo demonstrar aos aliados que detinha um grande poder de fogo, os americanos detonaram duas bombas atômicas nos dias seis e nove de agosto de 1945, sob as cidades de Hiroshima e Nagasaki respectivamente, matando milhares de japoneses e deixando seqüelas em outros milhares por gerações devido à radiação nuclear.
Em 15 de agosto do mesmo ano, o imperador Hiroito enfim aceita a rendição incondicional; porém, em pronunciamento ao povo e ao exército japonês por rádio, ele apela ao exército que cesse a luta, que concordou com o acordo proposto e que seu coração está partido com a morte e o sofrimento de tantos súditos. Em nenhum momento usou a palavra derrota ou rendição perante seu povo. O imperador Hiroito ficou no poder até o fim de sua vida em 1989. Mesmo arrasado, durante o pós-guerra, o Japão investiu pesadamente em educação e conseguiu se recuperar. Seu povo hoje honra as tradições do passado ao mesmo tempo em que convive com a modernidade; também é uma grande potencia econômica, estando entre os que mais investem em tecnologia, sobretudo eletrônicos e robótica.  Os japoneses, ao que tudo indica saíram fortalecidos da guerra com a opção de investir em educação e o imperador japonês soube usar bem a oratória ao não falar em seu pronunciamento as palavras derrota ou rendição. O Brasil, que tem grandes riquezas minerais, biológicas, culturais e está numa região pouco suscetível a desastres naturais, embora eles aconteçam, tem tudo para ser uma grande potencia mundial, sobretudo se investir em educação.
O resultado das últimas eleições mostrou um pouco da decepção do povo em relação aos seus representantes, que elegeu novos políticos para a câmara e o senado que jamais haviam se candidatado a qualquer cargo público e eram apenas artistas ou atletas famosos, deixando para trás velhas raposas. Independente destes políticos terem barrado projetos para o seu Estado de origem apenas por oposição ao governador, sem pensar nos benefícios para o povo e de não terem conseguido se reeleger, sabemos que a pouca experiência política ou ainda a falta de instrução de determinado político, podem não pesar no momento dele propor algum projeto inovador e, quem sabe, revolucionar o ensino no país. A exemplo disso, o ex presidente Lula só cursou o ensino médio e por essa razão sempre foi severamente criticado por seus opositores durante suas campanhas políticas e ainda é alvo fácil de humoristas por conta de suas declarações e modo peculiar de falar. É considerado um dos melhores presidentes que este país já teve. Como ele mesmo costuma dizer: nunca na história deste país... Independente da origem ou do grau de instrução que tenha, o que podemos esperar de um político é que ele tenha zelo pelo dinheiro público, que  saiba que antes de senador, deputado, governador ou vereador, ele é um servidor público colocado ali para melhorar e administrar a vida dos que apostaram nele, que todos eles valorizem mais a educação, com projetos, recursos e melhor acesso aos cursos superiores, para que num futuro próximo, tenhamos um povo desenvolvido e feliz, que ame suas tradições e valorize seu presente e ainda que episódios como a Guerrilha do Araguaia e os tiroteios nos morros cariocas entre policiais e bandidos sejam apenas páginas da nossa História.

*Canindeense, cabo PM.

Um comentário:

  1. Bastante instrutivo o artigo, além de apresentar uma crítica radical da política brasileira, fazendo um contraponto com o Japão, que, com uma política de desenvolvimento centrada na educação, pôde transformar, em poucos anos, um país arrrasado pela guerra numa potência econômica, sem deixar de preservar as tradições típicas da civilização oriental. A Coreia do Sul e Taiwan são outros exemplos da sabedoria (por que os políticos brasileiros não se convencem desta evidência?) que é investir massivamente em educação e na pesquisa científica. A Austrália, com nível de vida de Primeiro Mundo, foi colonizada há apenas duzentos e poucos anos.
    Isto tudo me lembra os ideais de Darcy Ribeiro, sobretudo no seu livro O Povo Brasileiro. Foi ele o idealizador dos CIEPs, que sucessivos governos foram mudando de nome (quanta vaidade e tola presunção!) sem nenhuma razão, até a atual denominação de CAICs (é esta mesmo ou já mudou de novo?). Se o Brasil estivesse repleto de CIEPs, com educação em tempo integral, prática de esportes, boa alimentação e estudo de qualidade, poderíamos dar às crianças necessitadas uma oportunidade muito maior, talvez comparável à dos filhos da classe média e da burguesia. Além disso, a vontade de superar a sua condição de desvantagem na escala social impulsionaria essas crianças a estudarem muito mais, com seriedade, sem as distrações que as múltiplas opções de lazer oferecem às crianças mais favorecidas.
    O artigo merece aplauso, principalmente em razão do caudal de informações preciosas sobre a realidade brasileira, sem as distorções da ideologia capitalista, veiculada nos meios de comunicação pelos EUA, que, com filmes violentos e a propaganda consumista, tem o nefasto poder de influenciar a juventude com falsos valores tais como a competição agressiva, o individualismo, a ganância e, indiretamente talvez, de forma até contraditória, o vício.
    Flávio Henrique


    Flávio Henrique

    ResponderExcluir