domingo, 7 de agosto de 2011

artigo


O blog estreia hoje um novo colaborador,
o articulista Gerardo de Melo.


ALGUNS LIMITES DA DEMOCRACIA
                                                                      
Gerardo de Melo*

Em livro totalmente isento de pudores chamado As 48 Leis do Poder, os autores Robert Greene e Joost Elffers, no capítulo DIGA SEMPRE MENOS DO QUE É NECESSÁRIO, narram a história de Kondrati Rileiev, um revolucionário russo que, em 1825, após participar de uma conjura contra o czar Nicolau I é condenado à forca. No dia de sua execução, por mero acaso, na hora fatídica, a corda se rompeu. Ao invés de atribuir o fato a alguma intervenção divina, como era obrigatório à época, o condenado se saiu com esta: “Estão vendo, na Rússia não sabem fazer nada direito, nem uma corda!”.  Ora, nada faltou para que um araponga de plantão fosse relatar à corte o dito do prisioneiro, de forma que uma corda mais resistente fosse providenciada para que a intervenção divina não fosse posta a prova novamente. O recente imbróglio do ministro Nelson Jobim leva diretamente a uma aporia, termo filosófico que no velho Aurélio significa conflito entre opiniões, contrárias e igualmente concludentes, em resposta a uma mesma questão. Assim, quais seriam os limites da democracia no terreno da liberdade de expressão? De pronto, vemos que não é a exposição da verdade o que vai demarcar esses limites. Deixando de lado a definição exata do que seria a verdade, nota-se no seu bojo sempre um conteúdo fundamental que é o inevitável posicionamento crítico, que ocasiona de imediato uma reação cerceadora, tanto mais eficaz quanto é o alcance do poder de onde emana. Consequentemente outra dúvida deveria surgir, se a adoção contínua do politicamente correto não seria uma forma de doutrinar a opinião pública a permanecer eternamente dormente, no sentido em que um membro do corpo se torna parcialmente insensível pela má circulação, logo desprovida, cada vez mais, dos seus mais básicos aparatos críticos, contribuindo na constituição de um monstruoso mecanismo condicionador da sociedade que se retroalimenta. A tentativa bem sucedida de suspender o olhar crítico pode ser observada, por exemplo, no apoio geral  que é dado à forma como são feitos investimentos nababescos em eventos esportivos, nos países não desenvolvidos, hipotecando o futuro, em detrimento de necessidades fundamentais que são totalmente negligenciadas.  Obviamente nada se cobra aqui da sociedade na amplitude do seu conjunto, mas da vanguarda intelectual que deveria representá-la. Na maioria dos casos, essa vanguarda se expressa em volume acústico bem reduzido, pois se acha devidamente cooptada financeiramente em seus estamentos pelo Estado dono da razão. Finalmente esse modelo da superestrutura social é reproduzido nos relacionamentos interpessoais.  Diz o filósofo Luiz Felipe Pondé que “tem uma dimensão na vida que precisa ficar meio sombria. Falar a verdade o tempo inteiro é insuportável e contar para outra pessoa o que você pensa no dia a dia no âmbito das relações também é insuportável”. Mas não haveria, assim,  em contrapartida, um comprometimento no que diz respeito à evolução da pessoa? Deve-se deixar apenas para mártires como Sócrates ou Jesus a tentativa de superação desse marasmo? A vantagem do posicionamento crítico é que ele é capaz de voltar-se sobre si mesmo e providenciar correções nos pontos danificados de sua malha cognitiva, mas em contrapartida exige modificações sem sempre confortáveis, e ainda há a urgência do cotidiano que atropela as mais ínfimas decisões, que dizer daquelas que dizem respeito à própria personalidade e à interação com o semelhante, que podem ser adiadas. Em suma a ideologia opera de forma muito sutil, e faz parte dela mesma nunca mostrar a cara na janela, deve ser devassada,  sob pena de se deixar consumir pelo simulacro da realidade que se quer.

*Gerardo de Melo é advogado e articulista do jornal Folha do Sul de Iguatu.

3 comentários:

  1. Sem dúvida, As 48 Leis do Poder é um balde de água fria no charlatanismo da autoajuda e do esoterismo caldo de bila, que já deveriam ter sido extirpados de todas as bibliotecas, sob penas de desperdício de tempo precioso com leituras inúteis, que deveriam estar classifcadas no gênero ficção, ao qual se filia com indevido êxito o espadachim Paulo Coelho.

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  2. Tudo bem que hoje em dia se escute e se diga o que quiser, agora vamos concordar que a atitude do ministro Jobim foi de um extremo machismo, imperdoável, além de comprovar sua deslealdade a um cargo comissionado do governo.

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  3. ..."contribuindo na constituição de um monstruoso mecanismo condicionador da sociedade que se retroalimenta." É o que se pode chamar de feed-back, uma conceito largamente empregado nos dias de hoje, em vários campos do pensamento e da atividade humana. Sem dúvida, o "cala boca", o "fazer vista grossa", em termos populares, devem encobrir muita sutileza que virariam fatos até marcantes da sociedade.

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