sexta-feira, 8 de julho de 2011

crônica

SERENATA DE CHUMBO

Pedro Paulo Paulino

A cidade despertou plena madrugada com aquele estrondo. O povo, atônito, saiu à rua. Era uma madrugada até então serena como sempre. A brisa de julho vagava por cada fresta. O silêncio, agora bruscamente quebrado, nada mais comunicava que o espanto geral. O que seria? A indagação nos rostos cheios de sono àquelas duas horas da manhã era indiscutivelmente assombrosa. Nada, antes do anoitecer, dera indício do sinistro. O pavor crescia ante o inexplicado. E todos deixaram seus leitos e correram sem saber para onde, ansiosos por desvendar o mistério…
Não, não estou dando início a nenhum conto de pavor, mesmo porque não sou do ramo. Além disso, é preciso muita imaginação hoje em dia para competir com a realidade. A sequência do primeiro parágrafo está nos fatos relatados na imprensa há mais de dois dias, quando foi noticiado o ataque a banco na pequena Caridade, cidade satélite de Canindé que há menos de mês reverenciou festivamente o santo de sua proteção, Santo Antonio.
Notícias deram conta de que “cerca de oito homens fortemente armados explodiram o caixa eletrônico de um posto de autoatendimento bancário e levaram todo o dinheiro que havia ali, cerca de R$ 215 mil”. Tudo isso aconteceu quando a população dormia seu sono de cidade pacata, no início da madrugada do dia seis de julho. Um espetáculo criminoso. Ousadia, técnica e perícia. Fatos assim estão se tornando corriqueiros. É contado o dia em que não se tome conhecimento de um assalto a banco, e não só à noite, mas em plena luz do sol. Os bandos de assaltantes, fazendo uso de dinamite, aperfeiçoaram com traquejo sua técnica. Sabem perfeitamente a carga exata e o local exato da explosão – e, principalmente, o momento exato! Os despojos do ataque são milhares em espécie. A fuga é, sempre, perfeita.
Não é que não houvesse fatos assim em outros tempos. Porém, com a sofisticação de agora, isto sim, é incrível. Evidentemente, há todo um aparelho auxiliar aos meliantes, não só humano como tecnológico. Eles sempre saem vitoriosos. Agem invejavelmente bem armados. A força policial é acionada, o Estado expede em vão a busca aos infratores e… eles voltam a atacar novamente. A população já teme tanto uma agência bancária como ao próprio inferno, pois é no ambiente de um banco que se torna mais vulnerável. O assunto é grave e de melindroso trato. A perseguição ao vil-metal extrapolou qualquer barreira. Só uma pergunta: terão os mais bem aquinhoados que recorrer novamente à velha botija enterrada,  para preservar o seu tesouro? 

3 comentários:

  1. Ótima postagem. Muito lúcida a observação de Pedro Paulo quanto a volta das velhas BOTIJAS. Só discordo que Caridade seja "cidade satélite" de Canindé, pois está prosperando a olhos vistos, enquanto a "Cidade da Fé" padece com o atraso. Na opinião do poeta Tonico Marreiro, está crescendo para baixo, à moda cauda de equino.
    Esse novo tipo de "cangaço" me lembrou a música de Luiz Gonzaga:

    O cangaço continua
    De gravata e jaquetão
    Sem usar chapéu de couro
    Sem bacamarte na mão
    E matando muito mais
    Tá cheio de Lampião.

    (Lampião falou - Aparício e Venâncio)

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  2. É importante observar a economia jurídica de um crime desses: sem vítimas, o que em tese é bem menos acusatório. O Brasil, todo ano, apesar desses atentados, apresenta o maior lucro bancário do mundo. Resta dedicar um pouco dessa verba para melhorar a segurança, até porque o cidadão não tem suas economias atingidas, e os bancos tem seguro.

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  3. "A brisa de julho vagava por cada fresta. (...) Além disso, é preciso muita imaginação hoje em dia para competir com a realidade.(...)" Não obstante a seriedade do caso, há que se louvar a forma poética com que Pedro Paulo narra algo tão dramático, trágico.
    A violência que grassa nas grandes cidades do Brasil já chegou às pequenas cidades do interior. Na minha opinião, fruto de um capitalismo exacerbado, embora com o Governo Lula se tenha consolidado o entendimento de que é preciso distribuir melhor a renda no País, investir muito mais na educação e na ciência, visando criar uma geração melhor, mais amante do conhecimento e menos influenciada por valores distorcidos que vêm junto com o crescimento econômico, sobretudo por meio dos meios de comunicação, que veiculam filmes violentos (na maioria distribuídos pelos EUA para o Terceiro Mundo) e novelas fúteis.
    Reconheço que parte da violência deve-se à própria natureza humana, visto que há nitidamente uma diferença de desenvolvimento espiritual entre os seres humanos, podendo-se notar isto até dentro de uma mesma família, em que todos têm o mesmo grau de oportunidade de crescimento intelectual e moral.
    Entretanto, acredito que a maior parte da violência no Brasil, nos EUA e na África do Sul, para citar alguns exemplos, advém dos valores distorcidos que o capitalismo exige das pessoas, como a competição, a inveja, a ganância, a agressividade, a falta de solidariedade. E quando há tanta desigualdade de oportunidades como no Brasil (compare-se a escola pública com a privada), esses males se exacerbam ao ponto de produzir pessoas que trazem dentro de si uma grande revolta que se mistura à falta de valores morais e espirituais, com uma falta de escrúpulos e de consciência incompreensíveis.

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