quarta-feira, 26 de setembro de 2012

PERSONAGEM


Sebastião Raposa, tipo popular de Canindé, virou “candidato a vereador” através dos fakes, a grande onda que tomou conta da campanha política na internet. Esta semana, um post de gozação rendeu dezenas de comentários no grupo TODOS POR CANINDÉ LIVRE, no Facebook. E não é por falta de popularidade que o Sebastião Raposa, também conhecido como Sebastian Fox, deixaria de angariar votos. Andarilho, simpático e articulado, ele tem por natureza os predicados que muitos candidatos de verdade esforçam-se por mostrar. A postagem abaixo é de 11 de junho de 2011, mas vale a pena ser atualizada, diante das circunstâncias.

SEBASTIAN FOX

Uma figura emblemática que perambula pelas ruas de Canindé, que parece nem ficar mais velho nem mais moço, é o Sebastião Raposa. Como Fênix, ele parece renascer de dentro de seus trapos sujos, com semblante emoldurado pela barba longa e maltratada e pelos cabelos longos e mais maltratados ainda, nos quais não adentraria um rastelo. É difícil calculhar-lhe a idade, mas aparenta levar uma vida plena de satisfação no seu mundo íntimo e transfigurado, fingidamente ou verdadeiramente avesso a tudo a seu redor. O bigode e a barba mal disfarçam um sorriso breve e sarcástico, por trás do qual aparecem intervalados os dentes também sujos. Alguém de nós, certa vez, resolveu dar-lhe um nome mais pomposo, sem, mesmo assim, prejuízo de identidade. E passamos a chamá-lo de Sebastian Fox.
Que trauma incisivo ou glória obtusa aquela sua barba encobre, verdadeiramente não se sabe.
O que se sabe é que ele surge de súbito, barafustando entre os transeuntes. É comum vê-lo nos mais diversos recantos da cidade. O mais das vezes, é notória sua presença nas galerias do mercado público no centro de Canindé, onde passa camuflado, enviesando por entre as bancas sórdidas de comércio, escapulindo em meio ao vaivém, levando sempre a mão sua sacola velha, como um legítimo dândi pelo avesso. Nessa sacola, ele ajunta o que encontra de despojo pela calçada. Em suas investidas burlescas pelas ruas, evidentemente é alvo da graça do populacho que tanto o achincala quanto parece adorá-lo, numa relação quase equitativa.
Sua imagem estereotipada leva-nos a imaginá-lo um conselherista deslocado de seu tempo. Melhor ainda é comparar seu tipo físico com o próprio revolucionário de Canudos, dado o conjunto como um todo. Não é dado a bebida, sem dispensar todavia um gole de cerveja quando porventura oferecem-lhe. Também não é de incomodar. O que não se envergonha de pedir mesmo é o cigarro, e se o entregam, sai-se grato rindo e soltando baforadas, como um fantasma formidável.
Vendo-o assim, é de se questionar que personalidade tão indecifrável vagueia naquele corpo andrajoso mas orgulhoso e tão seguro de si, que vez ou outra não mede consequências em se indispor com gente da alta-roda. Pois Sebastian Fox vê-se digno de ser o que ele é. Quando, o que não é tão raro, encontra outro da sua espécie pela rua, demonstra qualquer coisa de repugnância. É como já foi dito: Sebastian Fox carrega em seu âmago algo de nobre. Há em sua miséria, coerência; é um maltrapilho decente. Como um Carlitos, surge do nada e para o nada se vai, na cidade onde vive sem margem de débito... E há quem diga que o Fox é um exímio jogador de damas.
Em versos, que o decifre agora o poeta Silvio R. Santos, neste soneto:

Não sei se por castigo, o povo a isto ousa,
Por bem ou mal a sujo mendicante,
Em cunho irônico ou edificante,
Apelidou de Sebastião Raposa…

Cabelo sujo e corredio pousa
Endurecido sobre o seu semblante,
Mas nada traz em si de semelhante
Com os canídeos ou que o valha cousa.

Pertence ao gênero pseudalopex
Mas é bípede, e bebe, e come e fuma
Numa quenga se alguém o trata mal...

Os seus andrajos cose com durex
E pelas ruas, sem horário, ruma,
Seu paradeiro não se sabe qual...

5 comentários:

  1. Parabenizo o cronista pela recuperação desses tipos populares, cada vez mais raros, devido à inadequação ao mundo dito moderno.

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  2. Sebastian Fox é o último hippie de Canindé. Na juventude era aficcionado por futebol e chegou mesmo a possuir um time que disputava os torneios municipais. Raramente ele fica zangado. Como bem o disse o cronista, ele exibe sempre um riso enigmatico, meio sarcástico, como se estivesse zombando das misérias do mundo.

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  3. Sebastiao è uma daquelas pessoas que se pode definir ilustre filho de Caninde.nao se pode imaginar o centro sem essa figura tao bem retratada por Pedro. Em fortaleza conheci uma pessoa homonima de Sebastiao, se chamava Maria da Feira e de Caninde sabia vida e milagre, era uma biblioteca vivente, sabia todas as datas importantes de caninde, o nome de todos os prefeitos ali passado etc, se comunicava em um portugues delicioso alem do que, tinha uma grafia espetacular.eu penso que essas pessoas sao o espelho do intelecto escondem verdadeira mina de ouro atras do modo de vida que levam.prova de que a felicidade esta no ser ''anormal''.

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  4. O soneto que fecha a crônica é uma parceria virtual entre PPP e SRS, sendo do primeiro o segundo quarteto e o primeiro terceto... Cancão de Fogo sabe mais de Canindé do que quem nasceu aqui...

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  5. "Como um Carlitos, surge do nada e para o nada se vai." Esta e outras frases curtas mas cheias de sentido nesta crônica me deixaram maravilhado com a forma poética e fluente com que Pedro Paulo descreveu o Sebastian Fox, com seu físico de Antônio Conselheiro. Trata-se de uma poesia em prosa.

    Roberto carlos Raposa. Sim, este é o nome que lhe era dado na década de 60. Lembro-me que em 1965, quando minha casa ficava no seu caminho diário, eu o admirava (!) pela ousadia de usar cabelos grandes como os do cantor Roberto Carlos. Uma vez, à tardinha, tentei conversar com ele mas meu pai me repreendeu com certo preconceito. Eu tinha 9 anos e ele já deveria ter no mínimo 20, de modo que hoje ele tem no mínimo 66 anos, ou talvez 64, considerando-se uma margem de erro de 2 anos.
    Notei por experiência própria que ele não pede dinheiro, mas se a gemte der, ele recebe de bom grado.

    Flávio Henrique

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