sábado, 11 de fevereiro de 2012


A EXPERIÊNCIA TRANSCENDENTAL DE ZÉ FREIRE

Augusto Cesar Magalhães Pinto

José Freire Sobrinho, o popular Zé Freire, que já retratei em outra crônica, continua residindo na Fazenda Esperança e hoje acha-se muito ligado a corrente mística por conta de uns fatos inexplicáveis que lhe aconteceram. O primeiro refere-se a uma viagem que ele fazia de Esperança a Quixadá antes do dia amanhecer, e como se diz bom motorista, em alta velocidade. Quando se achava próximo uma curva muito fechada ou viu uma voz que lhe dizia:
          - Diminua a velocidade, Zé, que tem muito gado na pista! Obedecendo aos ditames da voz misteriosa, reduziu bruscamente a velocidade e logo que entrou na curva, constatou haver pelo menos duas dezenas de reses malhadas sobre o asfalto, ciente de que se não tivesse sido avisado tempestivamente sofreria um terrível acidente, pois havia abismo de ambos os lados do asfalto.
               Havia com ele na cabine mais duas pessoas e ao indagar se alguém havia ouvindo alguma voz e eles se entreolharam e responderam negativamente. Ele ficou encabulado e guardou total silêncio sobre o assunto para não ser chamado de mentiroso.
               De outra vez, num ano de rigoroso inverno houve um acidente com uma pessoa na esperança e a ambulância estava quebrada. A vítima era um adolescente que se acidentara de motocicleta e necessitava de um socorro urgente. Sem medir esforços o Zé partiu naquela noite chuvosa rumo ao Hospital Regional São Francisco, em Canindé. conduzindo o paciente acolitado pelos familiares. O carro por várias vezes quis atolar, mas a experiência de piloto calejado falou mais alto e sua destreza foi decisiva para que seu velho corcel não encalhasse no mar de lama que se transformou a estrada carroçável.      Vencida essa difícil etapa, chegou com seu possante veículo ao asfalto da estrada estadual que liga Canindé a Quixadá, onde fizeram rápida parada para constatar a situação do carro. Estando tudo bem, partiram novamente rumo ao destino acertado, a uma boa velocidade, com extrema atenção pelo tempo chuvoso que predominava. De repente o Zé Freire ouviu uma voz:
               - Zé, pára o carro que a correnteza do rio levou a ponte!
               Atônito obedeceu a voz de comando freando o carro lentamente, por ter a noção exata da distância que faltava para chegar na ponte. Estacionado o veículo os ocupantes indagaram o que houve e o Zé disse que teve um pressentimento e ia ver se era verdadeiro. Ato contínuo, de posse de uma lanterna, caminhou até o rio e lá constatou que de fato a ponte tinha caído. Retornou ao carro emocionado e contou o fato ocorrido que resultou em grande comoção entre o ele e seus passageiros.
               A viagem não pôde seguir em frente e ele foi para Quixadá onde o acidentado ficou internado, tendo o Zé retornado imediatamente, sozinho, para Esperança. Estava muito pensativo e durante todo o trajeto veio refletindo sobre a natureza efêmera da vida, ciente de que se não fosse avisado tempestivamente pela voz misteriosa, teria sofrido um acidente de conseqüências imprevisíveis. E foi nesse clima que chegou em casa juntamente com os primeiros raios solares, daquele esplendoroso amanhecer sertanejo.
               Ao ouvir o barulho do carro sua jovem esposa abriu a porta e de imediato serviu-lhe o café passado há pouco, e ele passou a narrar, com riqueza de detalhes, todo ocorrido e abraçaram-se comovidos ao lembrar que ele poderia não ter retornado vivo. Ela sugeriu que ele fosse dormir, já que tinha passado a noite em claro, enquanto ela ia ao povoado comprar alguns ingredientes para preparar uma cevada galinha caipira.
               O Zé entrou no quarto, deitou-se,  e constatou a saída da sua esposa, através do barulho característico da velha fechadura da porta da rua, no momento que ela deu as duas voltas. Fechou os olhos e em vão tentou dormir, mas o pensamento plenamente ativo o mantinha em alerta. Sentou na cama e ficou a contemplar o oratório que mantém no quarto, e, ajoelhado, resolveu confabular com o criador.
               - Meu Deus, eu sei que foi o senhor que me avisou. Se não fosse o senhor eu não sei onde estaria agora, muito obrigado!
De repente ele ouviu uma voz igualzinha aquela que lhe deu o aviso.
               - Zé, eu não sou Deus, eu sou seu anjo da guarda. Desde que você nasceu eu recebi a missão de protegê-lo e vou cumprir esta missão até o fim!
                Zé Freire assustou-se e quase entra em pânico, e a voz misteriosa o acalmou dizendo palavras reconfortantes e ele logo ficou todo a vontade e já ensaiava os primeiros lances de intimidade com aquela figura mística, afinal, estava em singularíssima situação e privilegiadamente diante do seu protetor divino.
                - Ô meu anjinho, me desculpe a indelicadeza, mas desde que nasci que sou um sofredor, já passei tanto momento difícil, só da morte eu já escapei pra lá de dez vezes e só agora, bem dizer no fim da vida, é que o senhor me aparece!
                O anjo, bondosamente retrucou suas palavras e passou a lembrá-lo de diversos momentos de sua vida atribulada e dos episódios dos quais, miraculosamente, saiu ileso, destacando sua discreta, porém decisiva, atuação em cada um deles. A mente do Zé naquele momento, como num “vídeo-taipe”, relembrou, com lágrimas nos olhos, os pormenores daqueles difíceis momentos e conscientizou-se da pronta intervenção do seu benfeitor.
                A essas alturas, a lembrança dos fatídicos episódios e a experiência transcendental de poder dialogar com seu anjo da guarda, fascinou o Zé Freire que ficou em êxtase total. Mesmo assim ele não conseguiu dissociar-se  de seu espírito brincalhão e buscou esticar conversa amena com seu protetor.
                - Meu anjinho, eu sou muito grato por tudo que o senhor me fez todos esses anos; eu que me achava um desamparado da sorte, agora tô vendo o quanto eu sou protegido. Mas, com todo respeito, o senhor aceita reclamação?
O anjo bonachão, que conhecia há décadas a irreverência do seu protegido, com um sorriso no canto da boca, respondeu.
               - Pois não Zé, sou todo ouvidos.
               - Por onde o senhor andava na época que eu inventei de me casar, que não avisou nada?
               Dizem que os anjos não tem sexo, mas tem senso de humor. Prova disso é que o anjo deu uma gargalhada tão ruidosa, que até a mulher do Zé que há pouco tinha retornado de forma imperceptível, ouviu, e em seguida falou:
               - Tu tá ficando doido Zé, agora deu pra rir sozinho.


4 comentários:

  1. “Num” é que hoje li a coluna; Histórias de Nossa Terra e de Nossa Gente do escritor Augusto Cesar Magalhães Pinto on line, antes mesmo de tomar conhecimento da circulação do Jornal (DE MÃO EM MÃO) que publica a mesma. Como sempre, muito boa. "vlw" PPP.

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  2. Poeta, é quase jogar lantejoulas no quintal, elogiar o seu blog, mas continue, rapaz, seu trabalho é um aglutinador da cultura de nossa região. Vamos lá, vamos produzir bons textos inéditos como sua apresentação do livro de Rogaciano Leite. Quanto ao cronista César, já tem espaço merecido em nossa admiração. Acima está outro ilustre blogueiro que não nos deixar mentir.

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  3. Como nunca ouvi falar do personagem, não me foi possível saber se se trata de crônica de ficção ou não. Não entendo de literatura, mas me parece um conto, e acho que devem existir contos de ficção ou não.
    O fato é que o texto é ótimo, espirituoso e espiritual ao mesmo tempo, e envolve o leitor na sua trama bem articulada até o fim.
    Acredito com toda a convicção (e faz mais de 30 anos que tenho essa fé que já não é mais cega, mas racional) na possibilidade dos fatos paranormais relatados. O grande cientista sueco Emanuel Swedenborg, conhecido em toda a Europa, tinha visões de anjos, telepatia, visão à distância e premonição.
    A existência dos anjos é doutrina corrente de todas as grandes religiões, do Oriente e do Ocidente. Da mesma forma, a do Anjo da Guarda. As obras da mística inglesa Alice Bailey referem-se ao Anjo Solar, o Pensador, a Divina Presença existente no íntimo do ser humano até que este, depois de muitas encarnações, evolua ao ponto de dispensar a direção desse anjo.
    Por outro lado, a premonição e outras faculdades paranormais, segundo a Parapsicologia, surge mais facilmente nas pessoas alegres e com presença de espírito, desde que não levem uma vida impura, de maus costumes. Pelo que pude apreender do texto, Zé Freire deve ser uma pessoa assim.

    Flávio Henrique

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