domingo, 26 de junho de 2011

ARTIGO


DOIS LIVROS QUE ME TOCARAM O CORAÇÃO

 Flávio Henrique Marques Ferreira Lima*


Dois livros singelos de José Mauro de Vasconcelos muito me sensibilizaram: O Meu Pé de Laranja-lima e Vamos Aquecer o Sol. Lê-los me fez chorar em algumas partes e me extasiar de admiração em outras. Os dois fazem parte de uma tetralogia em que José Mauro contou a história de sua vida, de uma forma romanceada e em certas partes com um pouco de ficção, como se poderia esperar de todo homem das letras, embora na essência quase que a totalidade dos fatos contidos nesses livros seja verdade. 
Segundo uma pequena biografia que consta nas últimas páginas de seus livros, republicados recentemente pela Editora Melhoramentos, José Mauro de Vasconcelos nasceu no bairro suburbano de Bangu, na cidade do Rio de Janeiro, em 1920. Foi o penúltimo dos onze filhos de uma família muito pobre, de proletários. 
O Meu Pé de Laranja-lima conta a história de sua primeira infância, até os 7 anos. Foi tema de um filme e de duas novelas televisivas, a última apresentada pela TV Diário, de Fortaleza. É um pequeno livro escrito com uma linguagem simples mas plena de sentimentos belos. José Mauro sabia escrever com poucas porém significativas palavras. Frases curtas e cheias de emoção, de criatividade, que falavam mais ao coração do que ao intelecto. 
Esse livro narra a história de Zezé, um menino dotado de uma sensibilidade precoce, sonhador, inteligente, criativo. O título do livro faz alusão a um pé de laranja-lima que havia no quintal de sua casa, com o qual Zezé conversava, contando suas peripécias, tristezas e alegrias. Talvez porque não encontrasse ninguém que o compreendesse totalmente é que ele buscou essa saída imaginativa para externar as coisas que se passavam na sua alma tão sensível e doce. 
Na sua própria casa Zezé só se comunicava a contento com a Glória (Godoia), uma irmã já moça, e com o rei Luís, seu irmãozinho caçula. Como Zezé era muito peralta, levava severas surras de seu pai e de uma de suas irmãs, Jandira. (No livro Vamos Aquecer o Sol, José Mauro conta que, já rapaz, quando morava em Natal, soube de um horrível acidente de carro em que  Glória ficou com o rosto desfigurado. Depois soube que o irmão Luís suicidou-se. É a eles que José Mauro dedica O Meu Pé de Laranja-lima, numa linguagem discreta e não muito explícita, de modo que só lendo o Vamos Aquecer o Sol é que chegamos a compreender totalmente a extensão do drama.) 
A vida de Zezé toma outro rumo, ainda na primeira infância, quando um rico português, admirado com a inteligência de Zezé, mantém com ele uma amizade tão sincera que uma vez a criança pede ao Portuga para que ele se tornasse seu pai, pois na verdade não conseguia gostar de seu pai biológico, desempregado e revoltado com a vida, e de quem levou algumas surras. 
Conquanto Zezé houvesse melhorado o seu comportamento depois que se tornou amigo do Portuga, tornando-se menos travesso, ainda levou uma grande surra que lhe deixou marcas nas costas. Num passeio com o Portuga,  para uma pesca, este pediu a Zezé que tirasse a camisa para tomar banho no riacho. Zezé hesitou envergonhado das marcas, mas acabou cedendo, o que fez o português ficar muito penalizado e de certo modo impotente.
Um dia de manhã, o trem Mangaratiba atropelou e matou o português no seu belo carro. Quando soube, Zezé ficou tão abalado que passou dias muito doente, com uma febre inexplicável para os médicos. Seus familiares achavam que o motivo da doença era a intenção das autoridades de passar uma rua (ou estrada, não me lembro bem) no quintal de sua casa, tendo de matar o pé de laranja-lima. 
Disseram-lhe que seu pai enfim tinha conseguido um emprego, e que iriam morar numa casa melhor. A arvorezinha ainda não tinha sido derrubada, mas Zezé disse assim: “Não adianta. Faz uma semana que mataram o meu pé de laranja-lima.” Com isso, Zezé queria dizer que o Portuga tinha-se tornado o seu verdadeiro pé de laranja-lima. De fato, depois que passou a conviver com o Portuga, Zezé tinha deixado um pouco de lado a árvore. 
O livro termina assim, dessa maneira tão triste que fez milhares de pessoas no Brasil chorarem. E em outros países, talvez, visto que o livro foi traduzido em diversas línguas europeias. 
Mas a história de José Mauro tem outra grande reviravolta, para melhor felizmente, contada no livro Vamos Aquecer o Sol. Se o leitor me permite, contarei a história do segundo livro em outra oportunidade.

*Fazendário formado em economia.

4 comentários:

  1. Quando menino, assisti na Seção da Tarde, numa TV preto e branco, o filme 'Meu pé de laranja lima'. Impossível não chorar com a cena da morte do Português, amigo do Zezé. Realmente são livros maravilhosos. Excelente esse registro trazido por nosso amigo Flávio Henrique.

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  2. Bravo. Interessante e singelo o comentário do amigo Flávio. Embora um profissional do mundo dos números, demonstra sensibilidade nas suas impressões de leitura.

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  3. Tenho 43 anos e possuo o livro meu pé de laranja lima à 20 anos, da edições Melhoramentos (1968), e, somente o li esta semana terminei ontem a noite 28/03/12, vou confessar chorei, chorei muito por dentro e por fora é divina e muito triste esta história, lembra muito as histórias que minha mãe contava de sua própria vida. Mirian - MG

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  4. Luis e Glória morreram de tuberculose porque não tinham dinheiro para se tratarem.

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