terça-feira, 26 de abril de 2011

MAIS UM CAUSO DO ZÉ FREIRE


DOUTÔ, ME EMPRESTE SEU REVÓLVER...

Por: Pedro Paulo Paulino

Andar motorizado ainda é um problema para os sertanejos que até há algum tempo tinham como meio de transporte o cavalo, o burro e o velho jegue. Embora o interior esteja formigando de carros e motocicletas, os condutores desses veículos, em sua maioria, são limitados pela legislação de trânsito por não estar devidamente habilitados. E tirar carteira de motorista hoje em dia, diga-se de passagem, é uma verdadeira prova de fôlego.
Ademais, muitos veículos são adquiridos de segunda mão, em situação irregular para trafegarem nas estradas fiscalizadas.
Mesmo assim, o cavalo bom de sela ou o burro estradeiro foram de súbito trocados pela Honda Titan, que também superou nessa desleal concorrência a salutar bicicleta. Foi-se o tempo em que o roceiro vendia a safra para comprar uma Monark ou uma Calói.
A proprósito, não tenho a menor idéia de como Euclides da Cunha faria hoje a descrição do sertanejo, pois todo matuto tem agora sua moto, e até já se vê o nosso herói vaqueiro em plena catinga campeando sobre duas rodas, trocando o aboio dolente pela buzina irritante e o chapéu de couro pelo capacete. Caminhando pelas veredas do sertão, é mais fácil hoje, numa encruzilhada, dar de cara com uma motocicleta do que com uma raposa ou ouvir o ronco dum motor do que o esturro de uma suçuarana em cima dum lajedo.
E como todas as regiões do estado estão cortadas de rodovias do governo, muitos proprietários de carros na zona rural trafegam na marra, se desviando das blitze de trânsito.
Vários são os ‘causos’ do Zé Freire como motorista, mesmo sendo ele um bom chofer e não tenha nunca se envolvido em acidente. Porém, antes de comprar sua caminhonete, ele recebeu, por força de negócio, um Corcel 73, sem a menor documentação, sem extintor, sem cinto de segurança, cego de guia, os pneus assustados com ponta de cigarro... uma bomba. Pretendia utilizar o que fora um carro, apenas para as pequenas viagens e passeios nas redondezas da Esperança.
Mas, para chegar até lá, era preciso enfrentar a BR-020 e um possível patrulhamento da PRF. Mesmo assim arriscou. Saiu de Canindé, escorregando por aqui, por ali, colhendo informação dos outros motoristas, se apegando com São Francisco para chegar são e salvo na Vila Campos e a partir daí continuar viagem tranqüila...
Para sua infelicidade, no meio do caminho Zé Freire avista uma viatura da Polícia Rodoviária, fazendo tocaia. Instintivamente, ele tentou diminuir a marcha, fazer retorno ou pegar algum atalho. Porém, os freios gastos do carro velho não ajudaram.
De carona com ele, viajava corajosamente o João Joel, antigo morador de Esperança. Este conta que Zé Freire, virando-se rápido, disse:
– João, se os ‘home’ mandar nós parar, eu tou pensado que nunca mais nós sai da cadêa.
Era tanto o vexame, que Zé Freire ainda virou-se novamente para o companheiro e perguntou se este portava algum documento de carro, qualquer que fosse! Sinalizado para estacionar, com muito esforço foi parar o carro velho a uma boa distância do patrulheiro, que se aproximou da porta e exigiu os documentos de praxe. Vendo o embrulho em que estava metido, Zé Freire soltou a direção, levantou as mãos ao céu, olhou para a cintura do guarda e apelou para o desespero:
– Doutô, me empreste logo esse seu revólver pra eu me suicidar, pois eu ando muito mais enrolado do que namoro de cobra! Recebi este carro velho numa conta, pra não dar fim num desgraçado que me devia. Garanto ao sr., que seu eu chegar com vida na Esperança, nunca mais as roda dele pisa em cima de asfalto, que carro véi e muié fêia, a gente pissui escondido. Tou levando esse Corcel velho pra servir o povo do meu lugar: pra socorrer mulher barriguda, menino com caganeira, cabra que leva facada, eleitor pra votar, aposentado, doido, tirar os outros do prego...
João Joel conta que ele fez um verdadeiro teatro, a tal ponto que o próprio patrulheiro nem sequer exigiu a infame propina. Tomando-o como doido, deixou passar. E ainda, para desobstruir o acostamento, ajudou a empurrar o ferro velho...

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