quarta-feira, 20 de abril de 2011

CRÔNICA


É LENDO QUE A GENTE SE ENTENDE
Por: Pedro Paulo Paulino
Fui convidado a participar de um encontro literário em que seriam discutidas a vida e a obra de Augusto dos Anjos. Lamentei e desculpei-me por não ter atendido ao convite. A novidade, em todo caso, me deixou sobremodo surpreso, tanto pelo assunto ser o incomum poeta paraibano, quanto por ser a terceira vez que uma agremiação se reúne em Canindé para discutir literatura. É que surgiu na cidade a Associação dos Leitores de Canindé. Coordenada pela professora Wladia Oliveira, a entidade mantém reuniões frequentes e ainda edita um pequeno informativo, abordando a cada edição um autor, dando sugestão de leitura e convidando novos participantes. Para fazer parte da agremiação, é exigida apenas a doação de um livro de qualquer gênero.
Mais surpreso ainda fiquei quando tomei conhecimento de que as reuniões são bastante concorridas. Indepedente do proprósito, quanta boa vontade, quanto ideal e quanta esperança nessa iniciativa no mínimo romântica, manifestando-se neste tempo em que a curiosidade literária é coisa rara. Quase não se lê. A maioria alfabetizada ignora hoje em dia a obra de um bom autor, nacional ou não. O frenesi da tecnologia, com sua inúmera variedade de entretenimento, substitui o livro por outros atrativos. E o hábito da leitura resume-se às mensagens telegráficas do telefone celular.
O desuso do livro colabora fortemente para a imperfeitção da consciência, pois nada ajuda mais a formar a mentalidade crítica do que que o hábito da leitura. E não basta apenas ler. É necesário também comentar o que se lê. Além de ser prazeroso. O leitor de hoje é, porém, um misantropo, é quase um excluído, quando devia ser de fato excluído quem não lê. O leitor é também um discriminado. Quem costuma portar um livro debaixo do braço sabe do que estou falando. Faça-o e passará por circunstâncias indesejadas, tais como ser confundido com pregador de alguma seita. Daí, talvez, a necessidade de um clube de leitores.
O amante da leitura sabe o valor material e espiritual do livro. O livro é a extensão da alma e, como tal, carece de adoração, de valorização e de carinho. O gosto ou não da leitura está evidente na maneira como alguém trata um livro. Já falei na doação para ser membro da ALC. Mas os organizadores fazem uma exigência: que seja um livro em bom estado de conservação. Observando a escolha de Augusto dos Anjos como tema de debate, lembrei, a propósito, de um fato ocorrido faz algum tempo, aqui em Canindé. Um amigo me falou ter encontrado no tambor do lixo (extrema ironia!) um exemplar de uma das primeiras edições do “Eu”, o único livro do poeta de maior popularidade até hoje no Brasil. O volume, já se deteriorando, ainda foi salvo.
Quem, a grosso modo, sabe decifrar as letras do nosso alfabeto, não se atreveria em sã consciência atirar no lixo um livro, seja qual for. A campanha por doação encetada pelos coordenadores da ALC merece nossa condescendência. É uma campanha silenciosa, como o próprio livro, mas que ecoa alto em nosso espírito. Parte da boa vontade e do altruísmo de um pequeno grupo de pessoas que com razão vê na leitura a forma mais importante de nos comunicar e aproximarmos. Não basta ter livros, que precisam ser lidos. Afora o interesse de querer ser membro ou não dessa incipiente agremiação literária, colabore. Torne o livro útil. O livro não é peça decorativa, é uma ferramente forte para nossa liberdade. E, mesmo velho e amarelado, não deve ter como destino trágico o tambor dolixo.
(Crônica publicada no jornal DE MÃO EM MÃO, em janeiro de 2007. Obs.: A Associação dos Leitores de Canindé foi extinta pouco tempo depois.)

2 comentários:

  1. Participava da associação e era realmente encontros belíssimos a Wladia foi minha professora de Literatura e sempre que a vejo pergunto quando a assoscição voltará? falta mesmo é um lugar. Vamos colaborar para que a associação volte...

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  2. A escolha do grupo em debater Augusto dos Anjo coincide com algumas inquirições que me tenho feito. Por que esse paraibano que cursou a faculdade de Direito, optou por usar uma linguagem cientificista em sua obra, se sua formação provém das área de Humanas? Essa popularidade do poeta paraibano terá alguma ligação com a linguagem que confere aos poemas (que também adotam em passagens importantes o coloquial)uma fórmula favorável à memorização? Ou seria a simples sonoridade do vocabulário, não de todo acessível ao leitor comum? Aliás, R. Magalhãese Junior trata muito bem disto na biografia exemplar que escreveu de dos Anjos, quando alude no final ao fenômeno da psicografia. srs

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