Pedro Paulo Paulino
Enterrou-se esta manhã, no cemitério
de Vila Campos, o corpo de Francisco Edilson Uchoa Cruz. Por este nome completo,
poucos, até mesmo entre seus conterrâneos, o identificam. “Grilo”, na verdade,
foi seu nome de guerra, desde que nasceu. O apelido, reconheça-se, foi um dos
mais premonitórios. Pois durante toda a sua vida, Grilo justificou com absoluta
espontaneidade a alcunha que recebera ainda no berço e com a qual se tornou um
tipo bastante popular.
Tagarela, seu barulho era
inversamente proporcional à sua estatura de homem pequeno. Porém, agigantava-se
interiormente quando tocado pelos eflúvios etílicos – aos quais se entregou de
vez. Inebriado, fazia barulho por todos os grilos do mundo, em especial quando
era provocado. Seu tipo jocoso, extrovertido e agradável o fez conhecido na
parada de Vila Campos, interior de Canindé. Tornou-se o mascote da beira da
estrada, no local onde pontuou por tantos anos.
Fazendo incontáveis amizades com
transeuntes habituais, Grilo era querido por todos, visto que se tornou uma
atração, incorporando-se à rotina do vilarejo. De modo generoso, fazia o papel
também de cicerone, informando caminhos e distâncias, com uma gentileza amável.
As gorjetas que ia acumulando durante o dia subsidiavam a sua “tequila”. No quente
da carraspana, mentalizava-se um hércules, vigoroso, bravo, o que só o tornava ainda
mais cômico. Satisfazia-se em fazer rir, como um saltimbanco rústico, cujo
palco era a vida livre. Instigado pela gaiatice geral, sucediam-se, nessas
circunstâncias, cenas e lances da mais pura e boa molecagem cearense. Ganhou
fama também na cidade, citado como foi em programas rádio.
Grilo tinha seu mundo, seus amigos, suas
paixões e convicções; exaltava-se, mas era nobre, leal e puro. Abdicou de tudo
em troca de uma existência erradia, que durou seis décadas, num combate sem
trégua consigo próprio, feito mesmo cantiga de grilo. Seu cricri agora é
saudade. Capitulou sem se lastimar; do contrário, agradeceu aos que o
assistiram, pois em seus últimos dias, não lhe faltaram a bondade e o carinho de
familiares e amigos. Seu enterro, na manhã bucólica de hoje, realizou-se
enquanto chovia – talvez uma última saudação da natureza ao Grilo humano que já
não canta mais...
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