quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

UM GRILO QUE HOJE PÁRA DE CANTAR



Pedro Paulo Paulino

Enterrou-se esta manhã, no cemitério de Vila Campos, o corpo de Francisco Edilson Uchoa Cruz. Por este nome completo, poucos, até mesmo entre seus conterrâneos, o identificam. “Grilo”, na verdade, foi seu nome de guerra, desde que nasceu. O apelido, reconheça-se, foi um dos mais premonitórios. Pois durante toda a sua vida, Grilo justificou com absoluta espontaneidade a alcunha que recebera ainda no berço e com a qual se tornou um tipo bastante popular.
Tagarela, seu barulho era inversamente proporcional à sua estatura de homem pequeno. Porém, agigantava-se interiormente quando tocado pelos eflúvios etílicos – aos quais se entregou de vez. Inebriado, fazia barulho por todos os grilos do mundo, em especial quando era provocado. Seu tipo jocoso, extrovertido e agradável o fez conhecido na parada de Vila Campos, interior de Canindé. Tornou-se o mascote da beira da estrada, no local onde pontuou por tantos anos.
Fazendo incontáveis amizades com transeuntes habituais, Grilo era querido por todos, visto que se tornou uma atração, incorporando-se à rotina do vilarejo. De modo generoso, fazia o papel também de cicerone, informando caminhos e distâncias, com uma gentileza amável. As gorjetas que ia acumulando durante o dia subsidiavam a sua “tequila”. No quente da carraspana, mentalizava-se um hércules, vigoroso, bravo, o que só o tornava ainda mais cômico. Satisfazia-se em fazer rir, como um saltimbanco rústico, cujo palco era a vida livre. Instigado pela gaiatice geral, sucediam-se, nessas circunstâncias, cenas e lances da mais pura e boa molecagem cearense. Ganhou fama também na cidade, citado como foi em programas rádio.
Grilo tinha seu mundo, seus amigos, suas paixões e convicções; exaltava-se, mas era nobre, leal e puro. Abdicou de tudo em troca de uma existência erradia, que durou seis décadas, num combate sem trégua consigo próprio, feito mesmo cantiga de grilo. Seu cricri agora é saudade. Capitulou sem se lastimar; do contrário, agradeceu aos que o assistiram, pois em seus últimos dias, não lhe faltaram a bondade e o carinho de familiares e amigos. Seu enterro, na manhã bucólica de hoje, realizou-se enquanto chovia – talvez uma última saudação da natureza ao Grilo humano que já não canta mais...


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