MEU BOM AMIGO HOMERIM
Pedro Paulo Paulino
Na
manhã de ontem, domingo, compareci ao enterro de um amigo. De um grande amigo. A
cidade onde ele nasceu e viveu sua juventude representou-se no velório e no
sepultamento, por meio de seus filhos mais estimados, senhores e senhoras, amigos
e parentes. Homero Martins Filho, o Homerim tão popular, foi embarcado na
carruagem da morte encerrando aos 78 anos uma existência bem aproveitada. Canindé,
seu chão, fica mais vazio em seu gracejo, em sua molequice sadia, em seu
bairrismo, em sua festa de S. Francisco e em sua legião dos homens bons.
Quem
adentrasse o salão mortuário não seria contaminado por aquela atmosfera grave e
lúgubre própria dessas ocasiões. Isto porque, o espírito e a memória do Homerim
jamais permitiriam que, mesmo em face de sua morte, reinassem em torno dele a
tristeza e o pranto. Em vez disso, um ar de alegria, leve e tocante, dominou o
recinto. E em volta do caixão, nem choro dramático, nem soluços de profundo
pesar, pois o que se ouviu mesmo foi o toque dolente do violão do Chico Walter seguindo
a voz da Mirna Uchoa que entoou uma velha canção bem ao gosto do extinto boêmio,
um dos derradeiros inquilinos da antiga “Mansão dos Inocentes”, a confraria ilustrada
dos moços de sua época.
Enquanto
isso, lá fora ouviam-se também historietas bem-humoradas, puxadas uma a uma pelos
amigos mais próximos do saudoso amigo. Homerim era a crônica ambulante em carne
e alma da cidade de Canindé, a caricatura das boas tradições locais. Especialmente,
do Canindé dos anos sessenta, das serestas em noites de lua, das barracas do
rio na festa do padroeiro e daquela convivência ainda provinciana, saborosa e
pacífica.
Boêmio
no sentido mais salutar e puro do termo, nosso bom amigo soube, como ninguém, preservar
suas amizades, enquanto construía outras tantas, regadas sempre pelo seu
bom-humor, pela sua prosa particular, suas pilhérias sem ofensa, sua lealdade e
seu jeitão completo de ser. Tinha o dom de motejar sem ferir, de cativar à
primeira vista e de colecionar amizades, tal como colecionava bonés. Seus amigos
eram de todas as cores e idades, sem distinção.
Tinha
ele a mais o dom de botar apelidos, nas coisas e nas pessoas. Em troco, ganhou
da corriola à qual pertencia, como membro decano e egrégio, vários epítetos. Era
o “Vermelho”, para uns; o “Elemento”, para outros; o “Meliante”, para outros
mais; e, para os mais recatados, o “Mons. Martins”, dado o seu fenótipo
alemoado, rubro, de boa estatura e cabeleira branca. Dele, o radialista e
escritor Tonico Marreiro conta as mais engraçadas histórias, colhidas ao longo da
parceria entre ambos nos idos tempos de boêmia. Anedotas que, por sua vez e
para proveito da cultura local, já estão imortalizadas em páginas de livros,
como bem o comprovam o escritor Augusto Cesar Magalhães Pinto e o próprio
Tonico.
Na
manhã ensolarada deste último domingo, dedicado às mães, um cortejo de amigos acompanhou
o féretro do Homerim, cujo corpo foi devolvido à Mãe Terra, em algum recanto do
cemitério S. Miguel de Canindé. Entre o riso e a saudade, leva-o a morte em sua
carruagem sem freio e sem destino. Na cidade e nas pessoas do seu convívio, ficam
seu emblema e sua lembrança tão marcante quanto adorável. Em mim, particularmente
e acima de tudo, fica dele a grata e fiel amizade – que nem a morte leva.
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