segunda-feira, 18 de julho de 2011

DOIS LIVROS QUE ME TOCARAM O CORAÇÃO

"Vamos Aquecer o Sol"

Flávio Henrique Marques F. Lima*


No primeiro artigo, externamos a forte impressão que nos causou o livro O Meu Pé de Laranja-Lima, a obra mais conhecida de José Mauro de Vasconcelos. Concluímos relatando o imenso sofrimento de Zezé com a morte do seu Portuga, que foi para ele um verdadeiro pai. A história não teve um final feliz, e quem não chegou a conhecer o livro Vamos Aquecer o Sol, em que José Mauro conta a mudança radical na sua vida ainda quando criança, pode ter ficado extremamente decepcionado e compassivo diante da sorte de Zezé.
Ao relatar algumas passagens do livro, citaremos os números das páginas da 2.ª edição da sua publicação pela Editora Melhoramentos, São Paulo, de 2007, por questão de direitos autorais.
Ocorreu que a família de Zezé, que continuou a passar por grandes problemas de sobrevivência, mandou o nosso garoto para a cidade de Natal, para ser criado por seu padrinho médico que só tinha uma filha. (Alguns autores referem que se tratava de tios, mas não há certeza quanto a isso.) Na sua nova família, Zezé gozava de conforto, tinha aulas de piano de que não gostava e foi educado em um colégio de irmãos maristas. No entanto, faltava-lhe o afeto dos seus novos pais, que talvez não o tivessem para dar (isso era muito comum no começo do século XX, devido à educação rigorosa no ambiente familiar), não obstante gostarem da criança. A verdade é que eles eram bem intencionados, mas não sabiam dar amor a uma criança tão sensível e romântica como Zezé, que chegava às vezes a sentir saudade da sua vida livre em Bangu, brincando na rua.
Quando Zezé entrou no primeiro ano ginasial (págs. 32-33), ficou contente e orgulhoso, e foi correndo ao consultório de seu pai (era assim que Zezé o chamava) para mostrar a lista de livros e pedir-lhe o dinheiro para comprá-los. O seu pai disse: “Você não vale o preço desses livros. Está bem. Em casa lhe dou o dinheiro.” Às vezes, seu pai chamava-o de bugre, visto que a mãe de Zezé era uma índia da tribo Pinagé. O pai biológico dele, por outro lado, era português, segundo os biógrafos.
Talvez por causa da riqueza da imaginação de José Mauro, várias passagens do livro contam as conversas de Zezé com o sapo Adão e o artista de cinema Maurice Chevalier, tal como fazia com o pé de laranja-lima na sua primeira infância. O fato é que não se sabe se esses diálogos íntimos realmente aconteceram, mas o importante é que são ricos de belos sentimentos. Porém temos certeza da existência do Irmão Feliciano, um padre extremamente generoso e meigo do Colégio Marista que tratava Zezé com carinho e admiração pela sua inteligência e beleza de sentimentos. Zezé às vezes o chamava pelo seu verdadeiro nome: Paul Louis Fayolle. No final do livro, Zé Mauro conta que, já adulto, foi visitar sua família de criação em Natal e escreveu uma carta para Fayolle, que lhe respondeu dizendo que estava  muito doente, em Fortaleza, Zé Mauro viajou para Fortaleza de ônibus e lá tiveram, possivelmente, o último encontro.
Zezé era muito pequeno e magro para a sua idade, mesmo bem alimentado na sua nova casa. Fayolle sugeriu que uma operação de amígdalas seria bom, De fato, depois de operado, o garoto cresceu tanto que era um dos mais altos do colégio, além de ter um físico de atleta devido à natação que praticava. Conta-se que Zezé ganhou por diversas vezes campeonatos de natação em Natal. Já adolescente, adorava nadar na foz do rio Potengi, treinando possivelmente para as provas nas piscinas. Havia tubarões no rio, e certa vez teve de nadar muito para fugir de um deles (págs. 125-126).
Zé Mauro era loiro e no livro Doidão, o terceiro da sua série autobiográfica, conta suas aventuras amorosas. Quando foi morar no Rio de Janeiro, já adulto, foi modelo (dentre as diversas profissões humildes que exerceu, por opção própria), e há em frente ao antigo Ministério da Educação, naquela cidade, uma estátua do Monumento à Juventude, para a qual serviu de modelo.
Seu (terceiro) pai fez de tudo para que Zezé viesse a ser médico. Ele chegou a cursar dois anos de Medicina em Natal, mas abandonou o curso, tentou outros, inclusive Filosofia, e, devido ao seu espírito aventureiro (talvez pela sua origem indígena), tentou várias profissões humildes no Rio e em São Paulo, rejeitando todo o apoio material de seu pai adotivo. Depois foi ator de cinema e de novelas.
Foi professor de escolas indígenas em Pernambuco e conviveu muitos anos com os irmãos Villas Boas, em tribos do interior do Brasil. Devido à sua prodigiosa memória aliada à imaginação e talento para contar histórias, ganhou uma bolsa para estudar Literatura na França. Seus livros foram traduzidos em diversas línguas européias.
José Mauro morreu com apenas 64 anos de idade, em 1984. Sugerimos ao leitor que veja na Wikipedia uma pequena porém boa biografia desse autor tão querido pelo povo, pelo seu estilo simples e romântico que, como já dissemos, encontra eco nos mais nobres sentimentos da alma humana.

*Fazendário formado em Economia.

Um comentário:

  1. "Porém temos certeza da existência do Irmão Feliciano". Gostaria de saber alguma referência externa além do livro para "confirmação', um segundo testemunho por assim dizer.

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