SERENATA DE CHUMBO
Pedro Paulo Paulino
A cidade despertou plena madrugada com aquele estrondo. O povo, atônito, saiu à rua. Era uma madrugada até então serena como sempre. A brisa de julho vagava por cada fresta. O silêncio, agora bruscamente quebrado, nada mais comunicava que o espanto geral. O que seria? A indagação nos rostos cheios de sono àquelas duas horas da manhã era indiscutivelmente assombrosa. Nada, antes do anoitecer, dera indício do sinistro. O pavor crescia ante o inexplicado. E todos deixaram seus leitos e correram sem saber para onde, ansiosos por desvendar o mistério…
Não, não estou dando início a nenhum conto de pavor, mesmo porque não sou do ramo. Além disso, é preciso muita imaginação hoje em dia para competir com a realidade. A sequência do primeiro parágrafo está nos fatos relatados na imprensa há mais de dois dias, quando foi noticiado o ataque a banco na pequena Caridade, cidade satélite de Canindé que há menos de mês reverenciou festivamente o santo de sua proteção, Santo Antonio.
Notícias deram conta de que “cerca de oito homens fortemente armados explodiram o caixa eletrônico de um posto de autoatendimento bancário e levaram todo o dinheiro que havia ali, cerca de R$ 215 mil”. Tudo isso aconteceu quando a população dormia seu sono de cidade pacata, no início da madrugada do dia seis de julho. Um espetáculo criminoso. Ousadia, técnica e perícia. Fatos assim estão se tornando corriqueiros. É contado o dia em que não se tome conhecimento de um assalto a banco, e não só à noite, mas em plena luz do sol. Os bandos de assaltantes, fazendo uso de dinamite, aperfeiçoaram com traquejo sua técnica. Sabem perfeitamente a carga exata e o local exato da explosão – e, principalmente, o momento exato! Os despojos do ataque são milhares em espécie. A fuga é, sempre, perfeita.
Não é que não houvesse fatos assim em outros tempos. Porém, com a sofisticação de agora, isto sim, é incrível. Evidentemente, há todo um aparelho auxiliar aos meliantes, não só humano como tecnológico. Eles sempre saem vitoriosos. Agem invejavelmente bem armados. A força policial é acionada, o Estado expede em vão a busca aos infratores e… eles voltam a atacar novamente. A população já teme tanto uma agência bancária como ao próprio inferno, pois é no ambiente de um banco que se torna mais vulnerável. O assunto é grave e de melindroso trato. A perseguição ao vil-metal extrapolou qualquer barreira. Só uma pergunta: terão os mais bem aquinhoados que recorrer novamente à velha botija enterrada, para preservar o seu tesouro?
Ótima postagem. Muito lúcida a observação de Pedro Paulo quanto a volta das velhas BOTIJAS. Só discordo que Caridade seja "cidade satélite" de Canindé, pois está prosperando a olhos vistos, enquanto a "Cidade da Fé" padece com o atraso. Na opinião do poeta Tonico Marreiro, está crescendo para baixo, à moda cauda de equino.
ResponderExcluirEsse novo tipo de "cangaço" me lembrou a música de Luiz Gonzaga:
O cangaço continua
De gravata e jaquetão
Sem usar chapéu de couro
Sem bacamarte na mão
E matando muito mais
Tá cheio de Lampião.
(Lampião falou - Aparício e Venâncio)
É importante observar a economia jurídica de um crime desses: sem vítimas, o que em tese é bem menos acusatório. O Brasil, todo ano, apesar desses atentados, apresenta o maior lucro bancário do mundo. Resta dedicar um pouco dessa verba para melhorar a segurança, até porque o cidadão não tem suas economias atingidas, e os bancos tem seguro.
ResponderExcluir"A brisa de julho vagava por cada fresta. (...) Além disso, é preciso muita imaginação hoje em dia para competir com a realidade.(...)" Não obstante a seriedade do caso, há que se louvar a forma poética com que Pedro Paulo narra algo tão dramático, trágico.
ResponderExcluirA violência que grassa nas grandes cidades do Brasil já chegou às pequenas cidades do interior. Na minha opinião, fruto de um capitalismo exacerbado, embora com o Governo Lula se tenha consolidado o entendimento de que é preciso distribuir melhor a renda no País, investir muito mais na educação e na ciência, visando criar uma geração melhor, mais amante do conhecimento e menos influenciada por valores distorcidos que vêm junto com o crescimento econômico, sobretudo por meio dos meios de comunicação, que veiculam filmes violentos (na maioria distribuídos pelos EUA para o Terceiro Mundo) e novelas fúteis.
Reconheço que parte da violência deve-se à própria natureza humana, visto que há nitidamente uma diferença de desenvolvimento espiritual entre os seres humanos, podendo-se notar isto até dentro de uma mesma família, em que todos têm o mesmo grau de oportunidade de crescimento intelectual e moral.
Entretanto, acredito que a maior parte da violência no Brasil, nos EUA e na África do Sul, para citar alguns exemplos, advém dos valores distorcidos que o capitalismo exige das pessoas, como a competição, a inveja, a ganância, a agressividade, a falta de solidariedade. E quando há tanta desigualdade de oportunidades como no Brasil (compare-se a escola pública com a privada), esses males se exacerbam ao ponto de produzir pessoas que trazem dentro de si uma grande revolta que se mistura à falta de valores morais e espirituais, com uma falta de escrúpulos e de consciência incompreensíveis.