ZÉ FREIRE
Augusto Cesar Magalhães Pinto
Um dos tipos populares mais arretados destes sertões canindeenses chama-se José Freire Sobrinho, ressaltando logo que não tem apelido, mas é conhecido como Zé Freire. Bonachão e espontâneo, contagia qualquer ambiente com sua exacerbada energia, sua voz de timbre forte e seus causos hilários, sendo que onde chega, em pouco tempo fica rodeado de pessoas que gostam de ouvi-lo.
Sertanejo forte, veio ao mundo na seca de 1937, no dia 11 do santo mês de Maria, na fazenda Buriti, entre as fazendas “ Grossos” e “Longá”; época de grande penúria para o povo nordestino, e em especial para o Ceará, onde havia a total dependência da quadra invernosa e não existia nenhuma rede de proteção social por parte do Estado.
Afirma com todo orgulho que foi abençoado por Nossa Senhora na hora do seu nascimento, haja vista, que sua mãe há 14 dias nada comia e ele teve como primeiro alimento o leite de uma jumenta, único bem que restava à família. Mesmo assim, nasceu forte, sadio e inteligente, atributos que sempre conservou.
É um homem dotado de muitas profissões, entre as quais: veterinário prático, mestre de obras, agricultor, vaqueiro, curandeiro, motorista e poeta. Diz já ter possuído dezenas de propriedades rurais, sendo a primeira, e mais conhecida, denomina-se “Cachoeira”, localizada nas proximidades do campo de aviação, propriedade que, toda cercada e com os currais lotados de gado, deixou para a esposa quando se separou.
Casou-se uma única vez, todavia, se diz muito fogoso, razão pela qual já teve dezenas de amantes, tendo predileção por mulheres jovens e esbeltas. Filosofando sobre o belo sexo, afirma do alto da experiência de seus 72 anos: mulher só presta nova e de 50 kg pra baixo. A propósito, diz que a atual companheira tem 26 anos e pesa 36 kg, depois da janta; ela é tão magra que, outro dia, ele forrou o colchão da cama, do lado que ela dorme, de bolacha “creme-craquer” e na manhã seguinte, após minuciosa perícia, constatou que todas elas estavam intactas.
Segundo filho de uma prole de doze irmãos (sete homens e cinco mulheres), iniciou sua vida como a esmagadora maioria dos sertanejos da sua época, labutando na agricultura. Posteriormente, num dia de domingo, a família recebeu a visita de um irmão do seu pai, e este vendo a desenvoltura de Zé Freire, moleque esperto e falante que naquela época mal completara 11 anos, solicitou ao irmão que lhe desse o sobrinho para “comboiar” com ele que tinha mais futuro do que esse negócio de agricultura.
Por anos a fio Zé Freire trabalhou de modo itinerante, comboiando um lote de burros para a Serra, trazendo rapadura e café e levando outros gêneros. De princípio viajava com o tio e posteriormente passou a viajar sozinho. Apesar do tio explorá-lo sem nada pagar-lhe, adquiriu grande experiência na atividade, conheceu muitas trilhas e se envolveu com muitas mulheres. Trabalhava somente pela “bóia” (igual a caixa d´agua), dando lucro ao patrão/tio sem nada dele ganhar, porém, experto, fazia pequenos negócios paralelos e ganhava o bastante para os seus modestos luxos.
Cansado de ser explorado pelo tio, que abandonou a profissão comboieiro e abraçou o ócio, pediu demissão no dia 23 de agosto de 1953, e, para não atritar com ele, agradeceu-lhe por tudo que ele lhe proporcionou e solicitou que ele lhe desse uma gratificação pelos anos trabalhados. O Patrão já suspeitava da intenção do sobrinho e ficou muito ofendido pela sua insolente “ingratidão”; chamou seus capangas, chefiado por um de nome “Sebastião” e ordenou que eles dessem o pagamento ao “ingrato”. O capanga deu seis tiros no Zé mas nenhum pegou nele. O mais impressionante é que quando ele atirava, metade da bala ficava o cano e a outra metade fora, ocasião em que Sebastião arrancava a bala no dente e fazia outro disparo, em vão. Os capangas concluíram que Zé Freire tinha o corpo fechado e foram com ele no punhal. Nosso herói mostrou valentia e destreza, tendo ao final do encarniçado combate, saído completamente ileso e deixado 14 feridos, à faca.
Fugiu para a Serra de Baturité e conhecendo bem a região e os moradores refugiou-se num Sítio, pertencente a um determinado senhor (o Zé dava nome a todos os bois, mas prefiro omitir) e apesar de ser uma época em que predominava o império machista, era sua esposa quem de fato governava o empreendimento com mão de ferro. Era afamado o dizer daquela época que lá nem a polícia entrava sem a anuência dela. De fato, ele nunca foi molestado por ninguém e nem respondeu qualquer processo pelas lesões, atribuindo ao poder da patroa a sua impunidade. Entretanto trabalhou por oito anos no regime de semi-escravidão.
Posteriormente ele foi trabalhar em outro Sítio, desta feita, no município de Mulungu, onde, segundo afirma, trabalhava dia e noite: de dia tomava conta de oito burros do patrão e de noite promovia-lhe a proteção empunhando um possante rifle “papo amarelo”. Saiu de lá às pressas por ter sido flagrado namorando a linda filha do patrão e este, muito preconceituoso, só queria que a filha namorasse com doutor. Ciente de que não tinha sorte com patrão, enfrentou a vida com os parcos recursos que acumulou estoicamente. Todavia, como Deus abençoa a quem trabalha, em pouco tempo multiplicou seu capital, comprando e vendendo animais, e tornou-se próspero fazendeiro. Toda a humilhação que sofreu nos anos que trabalhou como empregado lhe forjaram na mente o conceito de que nunca mais trabalharia para ninguém. Porém, engana-se que se arvora a ser o dono do próprio destino.
Na década de 1980, através da atividade comercial que desenvolvia (compra e venda de gado), deparou-se Zé Freire com um bem sucedido comerciante de livros da capital, Sr. Sérgio Braga Barbosa que adquirira uma fazenda no município de Caridade, na região conhecida como “Pereiros”, a qual denominou de Fazenda Alegria. O fato é que ambos ficaram se conhecendo e nasceu uma sólida amizade. A pedido daquele cidadão, embora tivesse firme o propósito de nunca mais trabalhar para ninguém, se rendeu ao apelo do amigo que necessitava de um gerente para a fazenda e ali permaneceu de 1985 a 1994. Homem prestativo e de uma calma eclesiástica, em pouco tempo, Sergio Braga tornou-se um líder naquele município e através do respeito mútuo com aquela comunidade terminou por ter sido eleito prefeito, no ano de 1992. A pedido do patrão, de quem era seu braço direito, o Zé não teve alternativa a não ser servi-lo como preposto da prefeitura, onde passou a ser um mestre de obras dos serviços da municipalidade, cargo este que ele, sem falsa modéstia, denomina de Secretário Geral da Prefeitura.
Em 1998, Zé Freire foi morar na Fazenda Esperança e ao que parece, em termos financeiros, não foi muito feliz e, segundo diz “foi esgotar o mar com uma cuia” que em termos práticos significa: trabalhar, trabalhar e não vê resultado. Houve uma época em que ele tinha um caminhão F.4000, transporte no qual fazia horário para Canindé. De certa feita, na Festa de São Francisco, ele viajava para a Meca franciscana, transportando moradores da “Esperança” que vinham assistir a novena do padroeiro. Ao Passar pela Vila Campos havia um rigorosa “blitz” da Polícia Federal com cães farejadores que buscavam localizar drogas. Todos os carros eram revistados e quando chegou a vez do seu caminhão, ele desceu da boleia e a todos cumprimentou com seu jeito envolvente de sertanejo autêntico e disse: - Pode “corrigir” tudo, meu patrão, aqui só vai gente de bem, assistir a novena de São Francisco. O policial postou-se ostensivamente junto ao carro com o gigantesco cão pastor alemão e o Zé Freire não sabendo exatamente a função do cachorro na operação, fez-lhe um afago na cabeça e chamou-o de “Joly”, nome americanizado e contemporaneamente popular entre os cães do interior. O cachorro gostou do carinho e lambeu-lhe as mãos. A revista terminou em clima de camaradagem: o Zé Freire ria satisfeito com a beleza e mansidão do cão e não se propôs a comprá-lo com medo de ofender os policiais que não resistiram e gargalhavam contagiados pelo jeito envolvente e espontâneo daquele cabra da peste.
Desculpem-me a ignorância, mas acho que o "JOLY" do Zé Freire, nome popularizado entre os caninos do Nordeste vem, na verdade de JOLIE, palavra francesa que significa BONITO.
ResponderExcluirMinha avó tinha um cachorro velho com esse nome. Quando eu nasci em 1967 o bicho já vivia por lá. Isso mostra que há pelo menos 50 anos JOLIE ou JOLY é um nome bastante comum entre os cachorros nordestinos.
ResponderExcluirDetalhe, minha avó dizia que significava BONITO.
EITA IRMÃO ESSE HOMEM É O FOLCLORICO!!! PENSE NUM CUMPADE ZÉ...HOMEM VIVIDO...CHEIO DE VIDA. UMA HISTORIA QUE FIQUEI CHOCADA E FUI TESTEMUNHA OCULAR "FOI QD O CUMPADE ZÉ, FERIU A CANELA COM MACHADO E O MESMO COSTUROU O GOLPE COM UMA AGULHA DE COSTURAR SURÃO" MEU DEUSSSSSSSSSS
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