JOTA BATISTA:
MOSQUITO TAMBÉM É TEMA PRA CORDEL
Qualquer pessoa que, agora ou daqui a cem anos, interessar-se em escrever a história boêmia de Canindé da atualidade, terá por obrigação que pintar o Jota Batista como o espírito mais irreverente e desprendido desta geração. Quando o conheci, nos nossos tempos de ginásio, tive já a impressão de que éramos velhos amigos e companheiros de poesia. Pródigo de um sorriso malandro e constante, o Jota compõe, canta e dedilha o pinho. Quando solta o violão, geralmente dá de garra de uma caneta para escrever cordel, em versos espontâneos e satíricos por excelência. Há nele ainda aquele espírito pronto para tiradas de ocasião, que nada ficam a dever a um Quintino Cunha, só para citar o poeta matreiro da Fortaleza de fins do século dezenove.
Mas nosso Jota Batista é canindeense e como tal encarnou o espírito moleque desta terra. Sempre à vontade e de bem com o mundo e seus habitantes, o Jota é capaz de alegrar um velório. Se inopinadamente surge numa mesa de bar, o ambiente ganha novos ares e nem precisa a banda passar, como reza a letra, para “a moça triste que vivia calada sorrir”. O Jota faz a festa.
Do seu senso de humor, alguma coisa já foi dita pelo poeta Arievaldo em seu livro “O Baú da Gaiatice”. Vamos a uma dessas tiradas, como está no livro:
“Um poeta nosso amigo, num de seus arroubos da mocidade, passou um carnaval inteiro bebendo e tomando banho na chuva, tal e qual o protagonista da famosa película 'Cantando na Chuva'.
Certa vez eu narrava este episódio para o poeta Jota Batista, quando me veio à mente perguntar:
- Como era mesmo o nome daquele ator de 'Cantando na Chuva'?
O Jota respondeu sem pestanejar, num lampejo de espirituosidade que lhé é próprio:
- 'Atô Leiro'”!
Na mesma edição do “Baú”, consta este cordel bastante original escrito por Jota Batista quando exercia o cargo de mata-mosquito da extinta Sucan. Os versos, de muita irreverência e livres como o pensamento do seu autor, falam de dois mosquitos turistas e a tragédia que se abateu sobre ambos. O Jota é quem descreve:
A PELEJA DE DOIS MOSQUITOS
COM O ‘MACHÃO’ DO OLHO SÓ
“Resolveram dois mosquitos
Visitar o Canindé
O nome dum era Chico
Outro se chamava Zé
Por não saberem de nada
Foram os dois pedir morada
Na porta dum cabaré
O Chico disse pro Zé:
Se tu ficar, Zé, eu fico
Do jeito que tu quiser
Respondeu assim o Chico
Tô cansado da viagem
Vou guardar minha bagagem
Não tô a fim de fuxico
Encontraram logo um bico
Nas coxas de uma mulher
O Chico, metido a rico
Falou assim: Anda, Zé
Esta casa é de primeira
Não tem uma só goteira
Vou armar o meu mundé
E fizeram finca-pé
Entraram virilha adentro
Subiram pelo sopé
Se instalaram bem no centro
O Zé disse para o Chico:
Em casa de povo rico
Faz é tempo que eu não entro
Pela porta entrava vento
Com cheiro de ingrisia
Não havia um só tormento
Cada mosquito dormia
Sonhavam os peregrinos
Com lugares bem divinos
Mas, veja o que acontecia
Era madrugada fria
Quando o dono da “pensão”
Chegando da boemia
Muito cheio de tesão
Ficou com a ideia em pé
E pegou sua mulher
Em solene ocasião
E no outro dia, então
Conversava o Zé assim:
Chico velho, meu irmão
Passei a noite tão ruim
Só não sei que diabo foi
Mas um cabra só dum ôi
Dormiu pertinho de mim
Eu não via direitinho
Pois tava bastante escuro
Mas te confeço, amiguinho
Era um cara todo duro
Groso, comprido e feioso
Um penteado horroroso
Eita cão, eu desconjuro
Não quero, amigo, ser puro
Mas passei grande agonia
Daquele sujeito, eu juro
Que ainda me vingo um dia
Sossego, ele não me dava
Saía tanto e entrava
Tal como entrava e saía
Pra completar a orgia
Ficava esfregando o taco
Fungava feito uma jia
Cutucava o meu sovaco
E ainda achando pouco
Soltou um gemido rouco
Eita, como encheu meu saco
Agora, dê seu pitaco
Me conte como dormiu
Por mim, eu tô só o caco
É porque você não viu
Perdi mais de uma costela
Noite ruim como aquela
Só quando a mamãe pariu
Zé, amigo véi gentil
Me presta bem atenção
Te peço, não dê um piu
Nesta minha narração
Agora, que eu te ouvi
Confesso, também dormi
Atracado mais o cão
Esse bicho era grandão
Vê um tronco de madeira
Na testa, tinha um oião
E fazia u’a gemedeira
Tacou qualquer coisa neu
Roliço igual um pneu
Arrastei minha peixeira
Zé, eu só num fiz besteira
Por causa da escuridão
Uma hora, eu fiz carreira
Ele correu pro portão
Depois, veio igual um osso
Muito mais feio e mais grosso
Que parecia um pilão
Contigo, ele foi durão?
Comigo, nem se compara
Contigo, ele foi amigo
Comigo, bateu de vara
Jogou-me um saco pesado
Me deixou mais humilhado
Pois cuspiu na minha cara
Olá amigo,
ResponderExcluirMuito bom o poema do Jota Batista: irreverente, engraçado e muito natural. O bom poeta é assim, faz de seu trabalho mote para poetar. E... que sorriso bonito tem o Batista!
Abraço,
Rosário Pinto
Jota Batista é um dos meus parceiros mais frequentes na produção de cordéis e paródias. Quando ele está 'numa veia boa' a gente costuma fazer oito ou dez, de uma sentada. Agora tem que ter muito combustível... Cerveja, branquinha, feijoada, música boa etc.
ResponderExcluirCerta vez lhe aprensentei um apetitoso prato de feijoada e uma cerveja geladíssima, mas ele retrucou: - Isso é bom é com 'cafafa'. Comprada a "cafafa", fizemos em seguida "Proezas de um babão" e "Aprendeu andar de moto, mas não sabia parar".
Batista é um cara leve, sempre sorridente e inspirado. Merecia muito mais projeção no cenário artístico nacional.
B. Tanko é um mestre nas tiradas. Como ele mesmo diz, antigamente pra trás, presenciávamos vários cães vadios no terreiro de um bar, e para provocá-lo disse: Quantos dogs! ao que ele não se faz de rogado, retrucando, são dogmáticos, dando um novo direcionamento linguístico à piada. Ele e um poeta campesino, bebericando nas proximidades da agância dos correios, ao avistarem um caminhão com uma grande carga de sacos de carvão, B. Tanko teria dito: Mas que sacanagem. Sem falar na sua impagável paródia Telegal, uma das mais perfeitas que já conheci.
ResponderExcluirNada demais para quem migrou musicalmente da MPB para o Brega, sem desmerecer o segundo.
Como professor de português, considero esse cordel uma verdadeira aula de intertextualidade e duplo sentido, feito com muita maestria, de fato.
ResponderExcluirSou suspeito para falar, mas Jota Batista, como cantor é có-autor e intérprete de uma música que fez muito sucesso e causou polêmica em seu lançamento. SRS, por ser suspeito também, elegantemente eximiu-se de lembrar essa passagem fonográfica. Outro grande sucesso de Jota Batista até hoje é o suculento "Pãozinho de Amor".
ResponderExcluirEu soube que existe uma segunda parte dessa dita música de autores discretos que seria muito melhor... escrita na parede de um certo bar, numa tarde de chuva..
ResponderExcluirA paródia nasceu no apartamento do Sr. João Louro, do qual fui inquilino por tres anos, ali nas imediações da Igreja de Nossa Senhora das Dores... Pedimos um frango assado numa churrascaria local que entregava em domicílio. A pessoa do outro lado da linha ainda perguntou:
ResponderExcluir- Inteiro ou fatiado?
- Fatiado! - Respondi, querendo poupar o trabalho de trinchar.
Quando a encomenda chegou vinham faltando vários pedaços... uma asa, uma coxa e... a muela, que o Jota queria por que queria. Ora, onde já se viu frango assado com muela?
Então, já de posse do violão, sugerí que fizéssemos uma paródia em cima de ARGUMENTO, do Paulinho da Viola...
TELEGAL (Telegalinha ou frango em domicilio)
Telegal, eu aceito o frangmento
Mas não me alterem o frango tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De uma asa, de uma coxa e também do... PATIM!
kkkkkkkk
Melhor parte da dita paródia:
ResponderExcluir"Faça como os velhos farofeiros
Que durante o ano inteiro
Levam o frango para o mar... (pra passear)"
... faz é matar...kkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirHoje é o aniversário desse "bandido", "cobarde" chamado J. BATISTA. Alguém lembrou de dar os parabéns???
ResponderExcluirCancão de Fogo