Por Freitas de Assis
Passados pouco mais de meio século de minha existência, chega ao fim minha fase de puberdade, onde agora, livre das obrigações profissionais com a secular corporação Alencarina, inicio minha jornada na vida adulta, sendo agora um jovem senhor aposentado, parasita do estado, recebendo seu rico dinheiro ao fim do mês, sem nem sequer dar um prego numa barra de sabão. Mas afinal foram 31 anos servindo e protegendo a sociedade, onde algumas vezes minha vida foi posta em risco, minha família foi privada de minha presença em aniversários, Natais e comemorações de Ano Novo, ficando a cobrança dos entes queridos que muitas vezes não compreendem as obrigações profissionais e os rigores da hierarquia militar, onde a cada despedida corria um risco maior de não retornar ao aconchego do lar. Hoje aposentado, mas não inativo, já vejo o mundo com novos olhos, onde antes de qualquer coisa, agradeço ao Criador por ter alcançado essa dádiva e completado minha jornada profissional com a saúde física e mental sem graves sequelas, e ainda sem colecionar desafetos dentro da caserna, muito pelo contrário graças ao bom Deus, e apenas uns poucos protagonistas de ocorrências, as mais variadas, que não ficaram satisfeitos com o desenrolar dos fatos, talvez possam nutrir alguma mágoa contra minha pessoa, a mim desejando o mal por ter agido com um pouco mais de energia contra eles, cessando suas ações criminosas e culminando com o cerceamento de sua liberdade.
Durante o ano de 2021 inicio a
contagem do meu tempo de serviço para dar entrada em meu processo de aposentadoria,
chamada de promoção requerida, onde em fins de setembro deste ano tem início
minha jornada burocrática com toda a documentação necessária para a aventura
que meu nome seguirá nas inúmeras pastas e secretarias do estado, e após algum
tempo, devido a um erro no nome de mina amada mãe em uma certidão, o processo é
parado para sanar o imbrólio e reiniciar novamente de onde parou. Em dado
momento, confesso gora, devido as circunstancias do trabalho, ao círculo de
amizades que criei, e outras banalidades ou mesmo medo da inatividade e a falta
que a atividade policial poderia fazer em minha vida, tive um breve instante de
reflexão e cogitei dar uma pausa em todo o processo, talvez ficar mais um ano,
onde vejo alguns contemporâneos esperarem o tempo limite e só sairem da
instituição na chamada expulsatória, e imagino como seria a vida após a
aposentadoria.
Mas foi uma emoção efêmera, que
se dissipou e virou uma vaga lembrança. Já em dezembro de 2022, inicio as merecidas
férias, a última da carreira, sabendo que vou passar Natal e Ano Novo com a
família, com o conhecimento de que minha equipe de serviço trabalhará no último
dia do ano. Passado todo o tramite burocrático após mais de um ano, está o
bendito processo parado no último estágio, esperando a benevolência do gestor
da pasta onde ele se encontra para o encaminhar à mesa da governadora em seus
últimos dias de mandato.
As revigorantes férias estão
dando um adeus e em início de janeiro retorno ao trabalho, assim como ocorreu
em janeiro do longínquo 1993, sendo que naquele ano eu entrava de serviço pela
primeira vez servindo no 4° Batalhão na função de patrulheiro do sargento
Justa, hoje tenente reformado e atuando como advogado, juntamente com um motorista
cujo o nome me foge a memória. Era um tempo de raras ocorrências, não haviam
celulares e redes sociais, o transito era rarefeito e ainda não existiam
famigerados paredões de som; ocasionalmente haviam situações onde a presença
policial se fazia necessária. Óbvio que assaltos, estupros, brigas de casal e
desordens por embriaguez, são situações que existem desde tempos memoriais na
história da vida cotidiana de inúmeras cidades mundo afora, bem como acidentes
de transito existem desde a invenção do automóvel. E um acidente de transito
foi o que marcou minha estreia na vida policial em Canindé, para onde vim
transferido após um breve período de recrutamento e serviços prestados junto ao
batalhão de choque, mas antes de me apresentar em dezembro de 1992, acabei
ficando 15 dias de molho devido a uma torção no tornozelo. No retorno em
janeiro, assumo a viatura para uma jornada de 24 horas de serviço por 24 de
folga, uma escala inimaginável nos dias de hoje, onde este serviço em particular
foi marcado apenas pela ocorrência de transito que mencionei, quando minha
amiga Verbena, que hoje trabalha no Museu da Casa de São Francisco, sofreu uma
fratura na canela, quando trafegava com outra amiga em uma motocicleta nas
proximidades da chamada Curva da Morte, na Avenida Perimetral nas cercanias da Churrascaria
Cajueiro, e colidiu em um ônibus, se não me engano, da empresa Gontijo. No
Hospital São Francisco foi atendida pelo Doutor Martinho. Desta forma,
coincidiu quase que um aniversário de trinta anos entre meu primeiro serviço em
Canindé e o último, apenas uma diferença de dois dias, já que o acidente da
Verbena ocorreu em cinco de janeiro de 1993 e meu último serviço foi registrado
no dia três de janeiro de 2023 e no dia 04 veio a publicação de meu
afastamento.
Chega ao fim dezembro, e em seu
último dia com as expectativas do ano novo que se anuncia, permito-me uma extravagancia
antes de iniciar as comemorações de Ano Novo e a farta ceia comum nesse
feriado. Pego minha velha Bike, abasteço a mochila com água e sigo em direção
da localidade de Cachoeira dos Lessas, onde um pouco mais adiante mora minha
mãe e minha irmã caçula. Chegando por volta das nove da manhã, fico algum
tempo, almoço e retorno para casa, numa jornada de 28 quilômetros ida e volta
aproximadamente, debaixo de sol escaldante em uma estrada carroçável, uma
verdadeira odisseia. Valeu a pena cada quilometro percorrido e cada gota de
suor derramado de minha viagem, assim como valeu também cada ocorrência vivida
e resolvida em todos esses anos vividos dentro da instituição. Ficarão
eternizadas em minha gasta e velha memória as boas amizades, as histórias
dentro das patruhas, as brincadeiras, as boas lembranças e a saudade. Tirando
alguns poucos dissabores e observando algumas situações absurdas que
presenciei, posso relatar que saio satisfeito, feliz e com a sensação de dever
cumprido, pois sempre procurei pautar pela ética e profissionalismo em minhas
ações. Dentro e fora da instituição Polícia Militar fiz boas amizades e conheci
personagens únicos, como um grande amigo de Quixadá que dentre outras estórias,
afirma em alto e bom tom que já presenciou naves e alienígenas nos sertões da
Terra dos Monólitos e que seres interplanetários ocasionalmente por lá aportam
para beber cachaça e zinebra com seu irmão em um terreno da família no interior
de Quixadá. Assim, passados pouco mais de trinta anos de início de minha aventura
embrenhando a farda da gloriosa, confesso que vivi bem esses meus últimos 31 e
um anos de luta. Agora vou viver melhor para minha família e lembrar dos ecos
dos tempos de herói.