segunda-feira, 28 de março de 2016

MEMÓRIA



“OS HOMENS QUEREM PAZ”: 25 ANOS

Uma história que não sai da memória dos habitantes de Vila Campos

No dia 28 de março de 1991, uma equipe de produção da tevê Globo despedia-se de Vila Campos, no interior de Canindé, depois de duas semanas de locações que tiveram o povoado como cenário. As filmagens do especial “Os homens querem paz” agitaram o cotidiano da pacata vila que foi transformada na Soledade dos anos 30 – palco de ataques do bando de Lampião. É para lá que regressa Emerenciano, remanescente do bando, na intenção de fazer vingança dez anos depois de ter sido humilhado, espancado e preso pelos habitantes de Soledade.

Nada, antes nem depois, aconteceu na localidade, que se tornasse tão marcante na memória do seu povo quanto a chegada da equipe televisiva, com seus caminhões cheios de apetrechos: câmeras, monitores, geradores, refletores, grua, trilhos etc. Dois ônibus leito transportavam técnicos, cenógrafos e o elenco que incluía Herson Capri, Roberto Bonfim, Cláudio Mamberti, Flávio Migliaccio, Regina Dourado, Haroldo Serra, Roberto Frota, Paulo Betti e a estreante Letícia Sabatella.

Além dos equipamentos que trazia, em Vila Campos a produção adquiriu 50 cavalos e cavaleiros, 50 cães e até uma coruja. Para que a povoação se transformasse na fictícia Soledade, foram removidos os postes de eletrificação, paredes foram envelhecidas e outros sinais de modernidade foram camuflados. Não demorou, também, para que seus habitantes tomassem parte nas gravações. E assim, muitos deles tiveram que abandonar temporariamente a roça – já que era inverno e o sertão estava banhado de chuvas – para participar das cenas. Desde já, figurantes trajavam triunfalmente seus uniformes de soldados da volante do sargento Romão (Roberto Bonfim) ou roupas de cangaceiro e ouviam as vozes de comando de Luiz Fernando Carvalho, diretor do filme.

No desenrolar das tomadas, o bucolismo característico do lugar desaparece. O pátio amplo da vila, até então movimentado uma vez por ano nos festejos do padroeiro, é sacudido extraordinariamente pelo tropel de cavalos, tanto dos cangaceiros quanto dos soldados, numa atmosfera típica de guerra.

A casa de Antônio Paulino passa a ser a casa do promotor dr. Olympio (Herson Capri). Ao lado da capela, a casa da professora Susana Viana vira o orfanato dirigido pelo padre Rolim (Claudio Mamberti). O casarão de seu Pedro Silva, patriarca do lugar, torna-se então a residência de Joca de Amália (Roberto Frota). O boteco da vila serve como a oficina do ferreiro (Haroldo Serra). O grupo escolar é agora a delegacia. E a prosaica bodega de seu Júlio Gomes transforma-se no armazém São Roque.

Sobre a calçada extensa da velha bodega, um número vistoso de espectadores, vindos de vários lugares, assiste aos trabalhos de filmagem e observa ali, ao vivo, a meticulosa e árdua tarefa cinematográfica. Muitas cenas são gravadas e regravadas, até atingir a qualidade final. Os bastidores mostram os truques e a magia da sétima arte.

Pesquisando entre os campesinos uma fisionomia parecida com a de Lampião, o olhar clínico da produção viu no rosto do Chico Manoel, um sertanejo pacífico, traços semelhantes aos do rosto do famigerado bandoleiro. Não deu outra. Em instantes, estava o Chico Manoel encarnando o Rei do Cangaço. A pequena Daniela Paulino fez o papel de Ritinha na infância, personagem da atriz Letícia Sabatella.

O dia da grande luta aproxima-se. Diariamente, ouvem-se os estampidos dos tiros dos rifles dos cangaceiros e dos revólveres dos soldados, que cruzam montados em seus cavalos e em grande velocidade o pátio da vila, coberto de poeira gerada por uma máquina. Os figurantes correm para lá e para cá. A chegada de Emerenciano, vivido por Paulo Betti, deixa a cidade em polvorosa. O padre, o promotor, o delegado e demais autoridades articulam um meio para expulsar o cangaceiro. E por aí vai se desenrolado a trama.

Soledade vive momentos de apreensão e ameaças de terror. E Vila Campos vive seu momento de glória e de fama, com seu nome estampado em páginas de jornais. Mas tudo acaba numa boa, pois, na realidade, o clima era de perfeito entrosamento entre produção, atores, figurantes e moradores. Soldados e cangaceiros, nos intervalos, discutiam com festa a atuação deles. 

Naquele último dia das gravações, que era uma quinta-feira santa, a chuva constante contribuiu para fermentar a saudade que ficaria nos que testemunharam essa temporada diferente, cheia de novidades e de animação para a rotina monótona do lugar. Até parece que as cenas ficariam gravadas mais na memória dos nativos do que na película que foi ao ar no dia dois de abril daquele ano. É como se tivesse sido ontem. De forma que hoje, quando se comenta esse acontecimento em Vila Campos, não há quem não se interrogue, com espanto: já faz 25 anos?! 

2 comentários:

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  2. Rapaz eu tinha 13 anos, lembro como se fosse hoje ! Como minha mãe é de São Luis e estávamos lá aproveitando o feriado da semana santa, fomos assistir as gravações. Lembro da simpatia de Roberto Bonfim, Paulo Betti que reclamava bastante do calor, as brincadeiras de Flavio Migliaccio, realmente foi muito marcante. O que mais me intriga até hoje, é como a produção global foi descobri aquele lugar que parece esquecido por Deus, intocado ali em pleno sertão, como é que chegaram ali ? Enfim, busquei e consegui o especial no youtube, vez por outra assisto novamente pra matar a saudade. Abraços a todos da Vila Campos e São Luis, onde passei muitas ferias escolares.

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