A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA
Francisco de Assis de Freitas Silva*
Todos os dias páginas e páginas de histórias são escritas sob os mais diversos enredos. Umas cômicas, alegres e outras bem trágicas, como assim é nossa própria vida. Igual a um conto de novela ou um filme de cinema, as imagens destas histórias vão se descortinando à nossa frente e os atores somos nós e nossos semelhantes, que vivemos nesse enorme caldeirão chamado sociedade. O palco deste teatro são os bairros onde nós moramos; onde alguns moram em áreas nobres e outros em bairros periféricos, sem ou com poucos investimentos em políticas públicas. Às vezes classificados como favelas. Onde os menos privilegiados são forçados desde cedo a lutar pela sobrevivência e buscar seu lugar ao sol.
Geralmente nesses ambientes as empresas que mais progridem são bares e similares, isso quando não é algum traficante de drogas que vive da desgraça alheia e ostenta seu poder num lugar onde uma das poucas imagens que se tem do governo é a polícia, que vez por outra entra em confronto com os “donos” do lugar, sendo que ocasionalmente seus moradores, honestos e trabalhadores em sua grande maioria, são maltratados e humilhados por alguns poucos policiais, diga-se de passagem, que não sabem distinguir o joio do trigo. Como ter esperanças que um jovem que nasceu em um ambiente desses e com escolas com pouca estrutura consiga terminar o ensino médio e ainda terminando, consiga cursar uma faculdade? Mesmo com boa vontade e transpondo o assédio de traficantes e amigos que oferecem drogas, é muito difícil competir com jovens que estudam em colégios particulares com altas mensalidades, onde o ensino é focado, geralmente, não para enfrentar a vida ou para o mercado de trabalho, mas, sobretudo para o vestibular e as faculdades, como assim divulgam em suas propagandas espalhadas nos outdoors das grandes cidades e nas páginas dos principais meios de comunicação: 1º lugar em medicina, 2º lugar em direito pela faculdade X, venha para o melhor.
Por isso mesmo, ninguém ainda conseguiu descobrir, apenas cogitar, os motivos que levam cidadãos comuns, pais de filhos adolescentes, maridos exemplares e filhos amados, que se esforçam para a manutenção do lar e a colocar o pão nosso de cada dia à mesa, a envolver-se em ocorrências policiais e eventualmente praticarem crimes de homicídios, aumentando desta forma as estatísticas e seus números frios, expondo os alarmantes índices da violência, galopando cada vez mais rápido, ao ponto de um estrangeiro, desinformado sobre nossa rica pátria mãe gentil, vendo tais números de mortes violentas por 100 mil habitantes, supõe tratar-se de algum país em guerra. Só para comparar, em Fortaleza foram registrado mais de mil e cem homicídios nos primeiros oito meses do ano de 2010, enquanto que em Portugal, que tem a mais alta taxa de homicídios da Europa Ocidental, no mesmo período foram pouco mais de 120 homicídios e pelo menos 40% destes foram cometidos por estrangeiros.
No Brasil as taxas oscilam em torno de 30 homicídios por 100 mil habitantes, em Portugal fica em torno de 2,15 por 100 mil habitantes. Nossas capitais e cidades de médio porte, até as pequenas também, nos mostram a história que existe por trás desses números cheios de sangue. É geralmente nos finais de semana e nas periferias que o palco das tragédias é montado. O desenrolar das cenas é sempre o mesmo: jovens pais de família e filhos trabalhadores, após uma estafante semana de trabalho, desejam relaxar e esquecer os problemas corriqueiros da vida. E nestes ambientes, volto a repetir, as empresas que mais proliferam são bares e similares, enquanto que o esporte mais praticado é a sinuca e o jogo de baralho. Nada contra os jogos, porém estes são sempre regados a uma boa cervejinha. O futebol nas periferias também é regado a uma comemoração etílica. Às vezes, antes das partidas, os atletas de ocasião ingerem bebidas alcoólicas. No dia 22 de agosto de 2010, o juiz de uma partida de futebol matou um jogador de um time a facadas e feriu outro na cidade de Barreira. O motivo do crime foi uma discussão banal e o juiz já portava uma faca, certamente se estivesse desarmado não teria ceifado a vida do jogador; infelizmente não estava. O fato noticiado no Jornal Diário do Nordeste.
Voltando às nossas periferias, observamos a música alta e a bebedeira, os ânimos exaltados e os sentimentos entorpecidos pelo álcool; um olhar provocativo, um esbarrão acidental, uma rixa antiga ou uma dívida de dez reais e rapidamente alguém, podendo já estar armado com uma faca ou revólver, ceifa a vida de mais um trabalhador, de um filho da companhia de seu pai herói, e então mais duas famílias são privadas da presença de seus entes queridos, um por que faleceu, e o outro por que fora transformado em números, virou um marginal e agora irá para uma escola de pós-graduação em criminalidade, como são conhecidas as prisões no Brasil. Existe uma boa probabilidade desses infelizes atores mudarem o roteiro destas cenas, se houvessem outras opções de lazer nessas locais, se mais tempo fosse disponibilizado para as famílias, ou ainda se ao invés de “encher a cara”, se me permitem o uso de expressões, procurassem coisa melhor para fazer, como ir a uma missa ou culto evangélico para conversar um pouco com Deus ou mesmo freqüentar uma biblioteca.
Alheio a toda esta situação, imaginamos que a falta de respeito ao próximo, o orgulho exacerbado e a falta de um simples pedido de desculpas são motivos mais que suficientes para mães de família e filhos chorarem seus maridos e pais, mortos pela banalidade da violência dos nossos tempos. Talvez com um maciço investimento em educação, como aqui mesmo em Canindé, que ultimamente foi contemplada com um instituto federal tecnológico, o IFCE e também com um colégio de nível médio profissionalizante localizado no antigo colégio Frei Orlando, antes administrada pelo município, e já em início de execução, um projeto para a construção de uma escola profissionalizante modelo nas imediações do quartel do 4ºBPM, nós possamos ter alguma esperança de mudança num futuro próximo, a ponto de, em uma conversa com um israelense, cujo povo já vive em conflito com seus vizinhos desde tempos bíblicos, não ficar boquiaberto com a elevada taxa de homicídios de nossa bela Fortaleza, por exemplo. Quem sabe ainda, que um dia possamos seguir o exemplo de certo país europeu, onde outro dia seus cidadãos criticaram duramente seu ministro da educação por colocar o filho em uma escola particular, dando a entender para o restante da população que a escola pública de seu país era de qualidade inferior ao da escola particular.
*Cabo PM, colaborador do blog.
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