quarta-feira, 5 de outubro de 2011


DESENTERRANDO HUMBERTO DE CAMPOS

Quase esquecido nos dias de hoje, o escitor maranhense Humberto de Campos (1886-1934) foi um dos cronistas brasileiros mais lidos em seu tempo. De origem humilde, viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, onde se tornou jornalista conhecido, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras. Os dois livros de memórias que escreveu são a sua obra mais popular. Sob o pseudônimo de Conselheiro X.X., Humberto de Campos assinou na imprensa diversas historietas cômicas, enfeixadas depois em volumes. Uma delas transcrevemos abaixo:


O CONFESSOR SEM SORTE

Humberto de Campos

Pároco de uma das duas igrejas de Santa Ana do Rio Manso, padre Valério tivera a desdita de ter como competidor, na conquista de almas para o reino de Deus, um colega ainda moço e, o que era mais, bonito. Enquanto o padre Ricardino era elegante, verboso, verdadeiro tipo de sacerdote moderno, ele representava a geração deposta, entrincheirada na severidade jesuítica, fortalecido por um físico desolador. Baixo, moreno, cabeça grande e chata, enterrada no pescoço, constituía, pode-se dizer, a negação da simpatia. Daí, naturalmente, o abandono da sua igreja pela gente melhor da localidade, e principalmente pelas mulheres novas, cuja presença lhe acentuava ainda mais a consciência do seu desapreço, comparativamente a padre Ricardino. Dia e noite, eram aquelas confissões hipócritas, sem veneno e sem novidade. Não lhe aparecia, sequer, uma noiva, para dizer-lhe o susto dos primeiros anseios, ou uma senhora bonita, para sussurrar-lhe, num misto de inquietação e de orgulho, o horror de uma falta deliciosa! Tudo isso, todos esses quitutes de escândalo, eram, agora, privilégio do outro vigário!...
Foi, pois, com uma verdadeira festa de alma que padre Valério verificou, naquele dia, ao entrar no templo que, entre os urubus costumeiros que ali faziam pouso, havia uma pomba-rola, que era nada mais, nada menos, que a Antonina, filha única da viúva Gama, e que toda a gente considerava, sem favor, uma das meninas mais lindas de toda a comarca. Vendo-a preparada para a confissão, o véu branco à cabeça, o sacerdote estalou a língua, intimamente.
– temos novidade! – exclamou, de si, consigo.
E adiantou:
– E cousa supimpa!
Em menos de cinco minutos, padre Valério despachou nove beatas e três velhos. Estava ansioso pela variedade do menu, e foi com verdadeira volúpia da sua curiosidade que pôs a linda criaturinha à vontade, para que ela lhe contasse, sem rebuços, todo o pecado que a trazia aos seus pés.
– Senhor padre, foi uma verdadeira desgraça… – começou a pobre.
– Conte, minha filha, conte; conte.
– Eu estava na sala, sozinha, com o primo Alfredo… Ele começou a beijar-me… a acariciar-me…
– E depois, minha filha? – insistiu o sacerdote, encantado.
– Eu fiquei assim meia tonta… Não sabia o que fazer… Ele, então, fez-me sentar junto dele, no divã…
– Adiante, minha filha, adiante! – instou padre Valério, com o interesse de um torcedor de futebol aflito por saber o resultado do  jogo.
– Ele me fez deitar ao lado dele, no divã… Eu deitei-me… Ele também se deitou e…
– E…?
– Nesse momento, ouvimos os passos de mamãe, que vinha, e nos levantamos.
– Ora bolas!... – fez padre Valério, dando um murro no confessionário.
E cerrando os dentes:
– Mas, sim, senhor! Já se viu? Que falta de sorte esta minha!...

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