CURTO-CIRCUITO BAR
Augusto Cesar Magalhães Pinto*
Somente quem nasceu em Canindé tem a possibilidade de avaliar este momento mágico que é a festa de São Francisco. Não existe canindeense, que estando morando longe de sua terra, tenha o coração tão duro que não lhe permita se emocionar quando houve o hino “Cheio de amor” e o “Raia aurora”.
O artista plástico e compositor Manoel Messias, em seu “Hino do Romeiro” toca o coração dos visitantes da Meca franciscana com a frase “quem vem a ti jamais esquece”. E quem teve o privilégio de nascer nessa terra há de esquecê-la um dia?
A Festa de São Francisco além de ser o ápice da religiosidade da comunidade católica canindeenses, através de todo um aparato litúrgico promovido pela paróquia, permite aos canindeenses um faturamento extra, explorado por grande parte da população. Além dos tradicionais comerciantes, é a vez dos barraqueiros, camelôs, fotógrafos, demais operadores da economia informal, desempregados, além das pessoas comuns que chegam a alugar suas próprias casas de morada e passam a vender refeições como forma de assegurar rendimentos que lhes permita prover algumas necessidades básicas. A Festa, portanto, é para muitos uma chuva abundante no deserto que, se não resolve em definitivo os problemas da população, é um abençoado lenitivo.
Não se pode negar que apesar do grande número de pessoas que vem render graças e pagar suas promessas a São Francisco neste período, existe muita gente que vem a Canindé buscar somente o lado profano do evento como seja: festas dançantes, bebedeira, prostituição etc.
A quantidade de bares que são abertos nesse período impressiona, seguramente passam de mil novos empreendimentos temporários, entre barracas e improvisos.
Foi numa dessas festas que os eletricistas (função pouco requisitada no quente da festa) Aurélio e Marinaldo resolveram montar um bar na Rua Romeu Martins, com o intuito de auferir lucros com o empreendimento. O estabelecimento teve suas bases fincadas em uma casa desativada que servia de abrigo para os cavalos do Toinho do Gordinho (pai do Marinaldo).
Tratando-se de uma sociedade cujos proprietários e dirigentes são bebedores contumazes, houve a imperiosa necessidade de se estabelecer um pacto de que não trabalhariam bebendo, certos de que trabalho e bebida não combina. Nos primeiros dias, tudo funcionou a contento, muito embora ambos apresentassem sinais de nervosismo e ansiedade, eles chegaram a confidenciar aos clientes que “esse negócio de bar é muito sem futuro, a gente despacha, despacha, e não toma nenhuma”. Pensaram até em desistir do negócio, entretanto, depararam com um problema: haviam investido na instalação elétrica, no aluguel de congelador e na compra de bebidas (fiada) e tinham um compromisso a cumprir.
Cientes de que se fossem beber e trabalhar ao mesmo tempo seria uma atitude anticomercial, e que somente viria a desmoralizar o empreendimento, tiveram uma brilhante idéia: a cada dia um trabalhava e o outro ficava livre para beber, de preferência no próprio bar com o objetivo de dar lucro à “casa”.
E assim foi feito: um dia o Aurélio bebia e o Marinaldo despachava; no outro dia a coisa se invertia. Ocorre que na noite do dia 3 para o dia 4 de outubro, Canindé vira a noite; e o Aurélio que passara o dia bebendo teve que render o companheiro a meia noite para que pudesse se entregar ao prazeres etílicos.
Completamente embriagado, o Aurélio assumiu o posto de trabalho sob a severa vigilância do companheiro que iniciara naquele momento a folga e, conforme combinado, passava a condição de freguês. O Marinaldo vendo o estado de embriagues que o Aurélio se encontrava, viu que ele não teria condição de dar conta do movimento e seria prejuízo certo, resolveu ser solidário ao sócio, ajudando-o a despachar os clientes, àquela altura multiplicados, não dispensando, porém, o copo já que formalmente estava de folga e o companheiro é que estava proibido de beber por força do pacto trabalhista.
Sabe-se que neste país, segundo criteriosas pesquisas, é grande o número de empreendimentos que vão à falência logo nos primeiros anos de funcionamento. Nossos amigos bateram todos os recordes, e em apenas uma semana perderam tudo e ainda passaram o resto do ano endividados.
As más línguas comentam que o eles deixaram o fornecedor Pedro Julião a ver navios, mas tudo não passa de intriga da oposição.
*Autor do livro Viagem pela História de Canindé e Histórias de Nossa Terra e de Nossa Gente.
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