quarta-feira, 28 de setembro de 2011

cantoria


PALHAÇO QUE RI E CHORA

Lourival Batista
Lourival Batista Patriota, o “Louro do Pajeú”, um dos mais afamados cantadores de viola, nasceu em S. José do Egito, Pernambuco, em 1915 e morreu em 1992. Irmão de outros dois famosos repentistas, Dimas e Otacílio Batista, foi um dos poetas nordestinos mais inspirados. Na célebre Antologia Ilustrada dos Cantadores, de Francisco Linhares e Otacílio Batista, encontramos estas décimas de um poema de Lourival, intitulado “Palhaço que ri e chora”:

“Pinta o rosto, arruma palma
Dentre os néscios e os sábios;
O riso aflora-lhe aos lábios,
A dor tortura-lhe a alma;
Suporta, com toda calma,
Desgostos a qualquer hora…
Quando quer bem, vai embora;
Vive num eterno drama:
Pensa, sonha, sofre e ama,
Palhaço que ri e chora.

Se ama alguém com desvelo,
Deixá-lo é martírio enorme;
Se vai deitar-se não dorme;
Se dorme, tem pesadelo,
Sentindo um bloco de gelo
Que o esfria dentro e fora.
Desperta, medita e cora,
Sente a fortuna distante,
Julga-se um judeu errante,
Palhaço que ri e chora.

Pelo destino grosseiro,
A vida jamais o agrada;
Se sente a alma picada,
Tem que ir ao picadeiro.
Não pode ser altaneiro,
Não tem repouso uma hora…
Chagas dentro, rosas flora,
Guarda espinhos, mostra flor!
Misto de alegria e dor,
Palhaço que ri e chora.

Palhaço, tem paciência,
Que da planície ao pináculo,
Este mundo é um espetáculo,
Todos nós, a assistência.
À falta de inteligência,
Gargalhamos qualquer hora…
Choramos sem ter demora,
Sem ânimo, coragem e fé,
Porque todo mundo é
Palhaço que ri e chora.

Revoltado com os que, não tendo coragem para enfrentar o pesado serviço do eito, lançam mão da viola, cantando o alheio ou escrevendo durante o dia para cantar à noite, o genial violeiro praticamente colocou um ponto final nas suas atividades:

Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Senti, nesta profissão,
Mau subir e bom descer;
Os que são, não querem ser,
Outros que não podem, são…
Toada, aboio e canção
Deiaram o poeta em nada.
Pra não andar nessa estrada,
Resolvi um certo dia
Aposentar-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Quem tem mérito alguém suplanta,
Sobressai-se quem é tolo,
Quem sente mal o tijolo,
Diz que desenha até planta.
Quem é cantador, não canta,
Canta quem não canta nada…
Não há verso, há só toada,
Sem métrica nem teoria:
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Eu vi faltar quatro fontes
Que jorravam no terreno:
Bandeira, Marinho, Heleno,
Cesário José de Pontes,
Pássaros que, dos céus aos montes,
Festejavam a alvorada;
Hoje, a nova passarada
Não traz aquela alegria!...
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Medito só e suspiro
Pelos velhos cantadores,
Guerreiros, batalhadores,
Que nunca perderam um tiro.
Hoje, o que mais admiro,
Ver essa rapaziada,
Com arma nova e zelada,
Sem acertar pontaria:
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Quem vai ouvir, não desfruta,
Tem memória, falta dote,
E eu fico de camarote
Vendo que o atraso luta…
Maestro deixa a batuta
De uma banda abandonada.
Fica escutando zoada,
Sem certeza e melodia:
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Cantador, pra mim, só é
Se nasceu pra versejar,
Como Chudu do Pilar,
Marinho de S. José;
Patativa do Assaré,
Silvino da Imaculada,
Um Belinguim de Queimada,
João preto da Serraria:
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Senti morrer Canhotinho,
Grande como Zé Filó,
Sentimental como Jó,
Gladiador com Sobrinho.
Cantou, nas cordas do pinho,
A inocência ultrajada,
Remorso à alma manchada,
Ao som da Ave-Maria:
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Que pensamentos bizarros
Do cantador pioneiro,
Bernardino, João Ribeiro,
Manuel Raimundo de Barros.
Versos, flores, crânios, jarros,
Cabeça, horta orvalhada.
Hoje, a arte é deturpada,
Criando quem nada cria:
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.
  
Em toda rádio, um programa
Sem surpresa de improviso,
Recado, lembrança, aviso,
Só evitam telegrama.
Cantador faz trato e chama
A gente que o agrada…
Manda abraço pra cunhada,
Pai, irmão, avó e tia:
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.

Posso até cantar ainda,
Porque Deus deu-me este dom.
Mesmo, há cantador bom,
Que o Brasil todo o brinda!
Entra mês e mês se finda,
A viola encamisada…
Não chegando um camarada,
Bom poeta, qualquer dia:
Aposentei-me em poesia,
Concluí minha jornada.”

Em Tempo: os versos de desabafo do grande poeta Lourival Batista, para os dias de hoje, mostram uma dose de exagero. Atualmente, atua um elenco de excelentes cantadores repentistas no Nordeste, a exemplo de Geraldo Amâncio, Zé Maria de Fortaleza, Valdir Teles, Louro Branco, o piauiense Zé Viola, Zé Cardoso, a famosa dupla Moacir e Sebastião, e muitos outros que se nivelam aos mestres do repente citados por Lourival em seus versos de despedida. Até suponho que “Louro do Pajeú”, antes de morrer, aposentou apenas a viola, porque o poeta nele continuou…

3 comentários:

  1. É sempre um prazer ler seu blog. pela manhã..

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  2. Como neta do poeta repentista canhotinho, sinto-me honrada pela menção de seu nome em seu blog. Ele, assim como os demais, são verdadeiros representantes da mais pura poesia popular.
    socorro Fernandes da Costa
    socorro_fernandes@hotmail.com

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  3. Satisfação em receber esse seu comentário, Socorro, e saber que você visita meu blog. Entrarei em contato com você pelo seu email.

    Abçs,

    PPP

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