Um tema sempre debatido pelos cantadores é Sertão X Cidade. Embora violentamente desfigurado em quase todos os seus aspectos, o sertão ainda hoje opõe-se à cidade, pois muitas povoações distantes do litoral ainda preservam um pouco da tranquilidade e hospitalidade típicas da vida rural. Recolhemos do livro Quadra, Quadrado, Quadrão, de Wanderley Pereira, mais uma interessante peleja de viola, desta vez travada pelos cantadores Siqueira e Beija-Fulô:
VIDA BOA É DO SERTÃO
VIDA BOA É DA CIDADE
Siqueira:
No sertão se tem lular
Banhando a copa da mata,
Tem a queda da cascata,
Cacimba pra se banhar;
Tem latadas pra dançar
Nas festas de São João,
Tem fogueira e tem balão,
Milho verde e carne assada…
Na cidade não tem nada:
Vida boa é do sertão.
Bêja-Fulô:
Na cidade há também lua,
Cinema, clube, tem praia,
Tem moças de minissaia
Mostrando as pernas na rua.
Tem buate e mulher nua
Pra velhice e mocidade,
Tem carnaval de verdade,
Tem parque e recreação…
Nada disso há no sertão:
Vida boa é da cidade.
Siqueira:
Mas no sertão há também
Festejo e divertimento,
Tem festa de casamento
Que noutro lugar não tem.
Tem minissaia, porém,
Sem tom de devassidão,
Tem praias para o verão
De água doce, à vontade,
Isso não tem na cidade:
Vida boa é do sertão.
Bêja-Fulô:
Se alguém estiver morrendo
No sertão tem que sofrer
E se não quiser morrer
Vai à cidade, correndo.
O doutor vai lhe dizendo:
Seu mal é necessidade;
Dá vitamina, à vontade,
E o pobre muda a feição…
Isso não há no sertão:
Vida boa é da cidade.
Siqueira:
Mas Deus é quem manda a sorte
Pra quem sofre enfermidade
E nem por isso a cidade
Tem menos casos de morte.
No sertão, quem leva um corte,
Não vai gastar um tostão:
Bota a folha do algodão
Com piqui na enfermidade,
Sem precisar da cidade:
Vida boa é do sertão.
Bêja-Fulô:
Na cidade, a medicina
Jhá muda o seu coração,
Tira o rim, tira o pulmão,
Mata a morte com vacina.
Aplica a penicilina
Se tiver necessidade,
Pois tem rremédio, à vontade,
Para qualquer precisão,
Isso não há no sertão:
Vida boa é da cidade.
Siqueira:
Isso não fa diferença
Pra quem onhece o sertão,
Pois lá se fa curação
Com casca, raiz e crença.
Dependendo d adoença
Você faz aplicação,
De pau-santo ao açafrão
Tem da melhor qualidade,
O que não tem na cidade:
Vida boa é do sertão.
Bêja-Fulô:
Quem mora na zona urbana
Tem mais prazeres na vida,
Não é no sertão, que a lida
Vai de semana a semana.
Se trabalha em chupar cana
Esquece a realidade,
Pois a hora é a vontade
Marcada pelo patrão,
Isso só tem no sertão:
Vida boa é da cidade.
Siqueira:
Você tá mal informado
Da vida que o sertão tem,
Talve estivesse bem
Se trabalhasse em roçado.
Sendo trabalho empreitado
Vovê toma a decisão
Se deve chegar ou não
Mais cedo e sair mais tarde,
Isso não há na cidade:
Vida boa é do sertão.
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