terça-feira, 12 de julho de 2011

polêmica

FOME X LEI

A natureza é a fonte primordial de alimento para todas as espécies vivas, inclusive o homem. Fazer uso dos recursos naturais para o sustento é uma prerrogativa. Depredar a natureza, porém, constitui crime. A fiscalização por órgãos públicos à destruição do Meio Ambiente é uma adoção de medida legal indubitavelmente necessária e obrigatória. Os excessos praticados por certos órgãos responsáveis por essa obrigação, todavia, constitui abuso. É do conhecimento geral que os “pombais” das aves denominadas “avoantes”, cujo nome científico é Zenaida auriculata, representa há muito uma opção de alimento para as famílias pobres da zona rural nordestina. Em épocas mais difíceis, os “pombais” significaram uma alternativa divina para o sustento dessa gente. E ainda hoje verifica-se essa realidade. Há, evidentemente, abuso também por parte de pessoas que indiscriminadamente abatem essas aves em época imprópria, como por exemplo, o período de nidificação. É nesse ponto que não se distingue bem onde o abuso do órgão público de fiscalização confronta com o abuso da caça predatória. Entregamos o assunto a três poetas cantadores do sertão, que em décimas mostram cada um seu ponto de vista. Vamos, para começar, convocar o poeta Manoel Nobrega, que vai glosar sobre o mote, apresentado por ele mesmo: “QUAL O FISCAL DO IBAMA / QUE NÃO GOSTA DE AVOANTE?”.


“Responda qual o fiscal,
Sem nenhuma hipocrisia,
Que detesta essa iguaria
Com tempero e pouco sal?
Me responda agora, qual,
Se for bom, no mesmo instante,
Que vendo ave bastante,
Recusa comer um grama?
QUAL O FISCAL DO IBAMA
QUE NÃO GOSTA DE AVOANTE?

Essas aves sazonais
Que pousam neste sertão
São aves de arribação
Vindas lá de outros locais.
Tem avoante demais
Fazendo aqui voo razante.
É fácil fazer flagrante,
Porém, o povo reclama:
QUAL O FISCAL DO IBAMA
QUE NÃO GOSTA DE AVOANTE?

Os pombais, no Ceará,
Em tempos mais castigados
Já foram considerados
Um verdadeiro maná.
E novamente hoje está
Sendo alimento abundante.
Mas tem gente que garante
Que matar pomba é um drama:
QUAL O FISCAL DO IBAMA
QUE NÃO GOSTA DE AVOANTE?

Qual o fiscal que rejeita
Avoante bem assada
Ou mesmo até refogada,
Porque todo mundo aceita…
Uma avoante bem feita
É um prato deslumbrante.
É um cardápio elegante
Pra tira-gosto de Brahma:
QUAL O FISCAL DO IBAMA
QUE NÃO GOSTA DE AVOANTE?”

Já o poeta Arizona glosou dessa forma:

“Eu me lembrei da canção
Do grande Luiz Gonzaga
Onde narra a triste saga
Da rolinha do sertão
Alguém lamentava então
Sua morte e num instante
Fez um prato interessante
Comeu assada, com Brahma
Qual o fiscal do Ibama
Que não gosta de AVOANTE?

É uma perversidade
Comportamento mesquinho
Matam aves, quebram o ninho
Na maior impunidade
O IBAMA na verdade
Tem que ser mais atuante
Prender qualquer meliante
Que contra a bichinha trama
Qual o fiscal do Ibama
Que não gosta de avoante?”


De maneira mais filosófica, o poeta Tetéu dos Campos compôs estas décimas:

“Tem corrupto triunfante,
Tem ladrão de profissão,
Nenhum tem a punição
De quem mata um avoante.
No governo a todo instante
Tem golpes, tem mensalão
Tem quadrilhas no sertão,
Ninguém poupa a vida alheia,
Mas quer ver ir pra cadeia,
Mate uma arribação!

Sem paz todo o interior
Polícia e cadeia cobra,
Mas tem polícia de sobra
Para prender caçador.
Pode matar um doutor,
Ou roubar um cidadão,
Que não dar em nada, não,
Prisão hoje é disparate,
Mas quer ver cadeia mate
Uma ave de arribação!

Estão queimando a floresta,
Tocam fogo na caatinga,
Gente vale como binga,
Só tem valor quem não presta.
A justiça não contesta
Nem assaltante e ladrão,
Mas quer ver dar confusão
E sobrar gente de farda
Dê um tiro de espingarda
Numa ave de arribação!

Está faltando enfermeiro,
Doutores nos hospitais,
Mas para mandar fiscais
Para o sertão tem dinheiro.
Vão de terreiro em terreiro
Saber quem tem no fogão,
Não um pedaço de pão,
Mas se for uma avoante,
É preso no mesmo instante,
Como se fosse um ladrão.

Ninguém defende a matança
Das avoantes á toa,
Mas defende que a pessoa
Tire da miséria a pança.
Se Deus manda essa abastança,
É que não faz falta, não.
Tem ela a sua função
Dentro do nosso bioma,
Não há fiscal que não coma
Uma ave de arribação!

De que o sertão necessita
Não é de fiscal do IBAMA,
Mas de quem tire da lama
A população aflita.
De quem crie uma cabrita,
Sem ter medo do ladrão,
De quem dê mais proteção
E de quem melhore a renda,
E não de fiscal que prenda
Quem mate uma arribação!”

O introspectivo poeta Tommaso B. resolveu ir mais longe e subir os degraus do Parnaso para fazer esta paródia ao famoso soneto de Raimundo Correia (1859-1911), “As pombas”:

“AS AVOANTES

Vai-se a primeira avoante refogada...
Assa-se mais... mais outra... ainda sem penas,
Pombas vão-se torradas às dezenas,
Com sal ou frescas sai uma rodada...

Já tarde, a frigideira encarvoada
Frita pombais inteiros, se um mecenas,
Mostrando-te a carteira, tu depenas
E dele as notas fogem em revoada...

Também nesses balcões onde amontoam
Contas, um por um, bêbados caçoam
Do vale, que contém um, dois pombais;

Na efervescência do álcool se revoltam,
Fogem... E se os fiscais do IBAMA as soltam,
 Os ébrios a esse bar não voltam mais...” 

♦♦♦

Soneto original "AS POMBAS

VAI-SE a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sangüínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais..."

         


6 comentários:

  1. Estreia promissora desses dois poetas: Manoel e Tommaso... uma das vertentes medulares da poesia popular é o gracejo. Desse lado são inesquecíveis as glosas do grande José Pacheco, que parece ser o padroeiro dessa dupla. E que nos perdoem por não discutirmos aqui a carreira promissora de agremiações como Ceará e Fortaleza, que com certeza também pertencem ao ramo da comédia...kkkkkkkkkkkkkkk

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  2. O leitor curioso poderia fazer um cotejo com o soneto original...


    As Pombas

    Raimundo Correia


    Vai-se a primeira pomba despertada...
    Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
    De pombas vão-se dos pombais, apenas
    Raia sanguínea e fresca a madrugada...

    E à tarde, quando a rígida nortada
    Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
    Ruflando as asas, sacudindo as penas,
    Voltam todas em bando e em revoada...

    Também dos corações onde abotoam,
    Os sonhos, um por um, céleres voam,
    Como voam as pombas dos pombais;

    No azul da adolescência as asas soltam,
    Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
    E eles aos corações não voltam mais...

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  3. É bom notar que o ponto de vista dos poetas é diversificado. Enquanto uns defendem as avoantes de qualquer agressão e pedem maior empenho do IBAMA na fiscalização dos pombais, outros reclamam que a avoante faz parte do ciclo biológico e como tal deve ser servida como alimento na mesa dos mais pobres. O problema é que a bichinha está virando iguaria na mesa dos glutões bem aquinhoados.

    Francisco Saraiva

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  4. mando bem ppp nos versos da avoante .gostei muinto que ate mim espirei e fiz um estrafe sobre a avoante







    E uma pesequicao
    Que eu vejo neste estante
    Contra os casado de pomba
    Le chamado de meliante
    Se pega um no fragante
    Paga 300 reais
    Eu acho caro de mais
    O preso duma avoante

    joao paulo gomes

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  5. É VERDADE TENHO PENA DA BICHINHAS, MAIS NÃO RESISTO UMA BEM TORRADINHA!

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