quarta-feira, 29 de junho de 2011

SÃO PEDRO E UM ANIVERSARIANTE ILUSTRE


PREZADO PRESIDENTE (10/10/2010)

Escrevo novamente, ao fim da sua
Dobrada permanencia no mandato.
Confesso que, na imprensa, fui um chato;
Agora, a seu favor, eu saio à rua.

Cobrei, como eleitor, que quem jejua
Comesse, e o capital pagasse o pato.
Em verso o critiquei, mas me tretracto,
Pois, sem você, mais temo a falcatrua.

Você fez muito mais do que eu suppunha!
Supera Vargas, Prestes, Juscelino:
Um pobre, ou negro, ou cego, é testemunha!

Por isso é que eu “lulista” me defino:
Partidos se desgastam, mas quem cunha
A propria effigie, fica, é o seu destino!
 
O soneto acima é de autoria de Glauco Mattoso, o grande poeta paulistano que completa hoje 60 anos de vida. Seu nome de batismo é Pedro José Ferreira da Silva, nascido em São Paulo no dia 29 de junho de 1951. Seu nome artístico é um trocadilho com glaucomatoso, termo usado para os que sofrem de glaucoma, doença que o fez perder progressivamente a visão, até a cegueira total em 1995. É também uma alusão a Gregório de Matos, de quem se considera herdeiro na sátira política e na crítica de costumes.
Glauco cursou biblioteconomia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo e letras vernáculas e na USP. Nos anos 70, participou da resistência cultural à ditadura militar através do grupo dos "poetas marginais". Além de editar o fanzine poético-panfletário Jornal Dobrabil (trocadilho com o Jornal do Brasil e o formato dobrável dos folhetos satíricos), colaborou em diversos periódicos da imprensa alternativa, tal como o humorístico O Pasquim.
Na década de 80, publicou trabalhos em revistas como Chiclete com Banana, Tralha, Mil Perigos, SomTrês, Top Rock, Status e Around, ensaios e críticas literárias no Jornal da Tarde, além de diversos volumes de poesia e prosa. Em 1982, edita a Revista Dedo Mingo, como um suplemento do Jornal Dobrabil.
Nos anos 90, perde por completo a visão em decorrência do glaucoma de que sofria há anos. Deixa de lado a criação gráfica (história em quadrinhos e poesia concreta) e passa a dedicar-se a escrever letras de músicas e à produção fonográfica. Com o professor da USP Jorge Schwartz, ganha o Prêmio Jabuti pela tradução que ambos fazem da obra inaugural de Jorge Luis Borges, Fervor de Buenos Aires.
Nos anos mais recentes, retorna à criação de poesia escrita e textos virtuais, produzindo textos e poesias para a internet, colaborando em revistas eletrônicas e impressas, tais como a Caros Amigos. A obra de Glauco Mattoso caracteriza-se pela exploração de temas polêmicos, tais como a violência e a discriminação. O autor tem a reputação de “poeta maldito”, uma espécie de boca do inferno moderno ou Bocage pornográfico do século XX. Em edição recente, a revista Cult trouxe um perfil de Glauco Mattoso, que já atingiu a marca de quatro mil sonetos. Suas publicações somam mais de 20 livros. O curioso em Glauco, é que ele escreve obedecendo à ortografia de 1940. Através de Silvio R. Santos, tenho a graça de manter uma correspondência eletrônica com o grande poeta brasileiro da atualidade e sempre. E para ele, envio este soneto:

NO ANIVERSÁRIO DE GLAUCO MATTOSO

Pedro Paulo Paulino

São Pedro, hoje é teu dia, é nosso dia,
Que Pedro eu sou também, embora santo
Não seja. Mas, debaixo do teu manto,
Teu nome, se preciso, evocaria…

Que sejas sempre eterno e nosso guia.
E se não for acaso pedir tanto,
Louve, ó São Pedro, sem nenhum espanto,
Um grande Pedro que aniversaria.

Glauco Mattoso, Pedro de batismo,
Sem ranço algum de mero fanatismo,
Louvado sejas tu entre os poetas!

Pedindo, rezarei (assim prometo),
Que São Pedro te cubra de soneto,
Nas seis décadas que hoje tu completas!...


Mais sobre Glauco Mattoso, acesse: http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/quem.htm

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RIBA CARNEIRO

Pelo rádio, tomo conhecimento esta manhã que morreu o agropecuarista canindeense Riba Carneiro, homem de excelente reputação nos sertões de Canindé. Em sua fazenda, às margens do rio Curu, região do distrito de Bonito-Ubiraçu, Riba Carneiro foi sempre uma grande liderança que gozava de muito conceito, tanto entre sua gente como no meio político e social do município. Homem de bem, sua casa na fazenda era uma referência naquela região. Lembro de uma vez, durante uma campanha política para prefeito, que uma grande caravana foi recebida pelo Riba e sua esposa d. Myrtes, em sua casa. A simpatia dele era extremamente espontânea, aquela hospitalidade sertaneja pura. Mesa farta para todos, como era farto de bondade o coração do Riba Carneiro. Homem de boa estatura, sorriso constante, recebia a todos com um forte aperto de mão. Quando vinha a cidade, gostava de tomar discretamente sua cerveja, sendo sempre cumprimentado a todo momento, dada a sua popularidade. Riba Carneiro foi uma dessas pessoas necessárias em seu lugar e que, quando morrem, deixam uma lacuna impreenchível.

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SÃO PEDRO NA LITERATURA DE CORDEL


O cordelista e grande pesquisador da Literatura de Cordel, Arievaldo, é o colaborador do blog no dia de hoje, em que se festeja um dos santos mais populares da Igreja Católica no Nordeste, São Pedro. É do Ari esse apanhado:


Hoje, 29 de junho, os católicos festejam São Pedro, o chaveiro do céu, primeiro papa da Igreja Católica, é um dos personagens prediletos dos poetas populares. Talvez porque seja um dos apóstolos mais citados no Novo Testamento, humano, temperamental, cheio de medos e fraquezas... O santo aparece também em dezenas de anedotas recolhidas por Câmara Cascudo, Silvio Romero, Gustavo Barroso e outros estudiosos, narrando episódios de quando Jesus andava no mundo.
Na literatura de cordel é bem extensa a relação de folhetos onde São Pedro, ao lado do Divino Mestre, aparece fazendo trapalhadas. Eis alguns títulos: O grande debate de Lampião com São Pedro, de José Pacheco; Jesus São Pedro e o ferreiro da maldição, de Francisco Sales Arêda; Jesus, São Pedro e o ladrão, de Manoel D’Almeida Filho; São Pedro e o coração do carneiro, de Paulo Roxo Barja, O homem do arroz e o poder de Jesus, de Mestre Azulão e muitos outros.
Comecemos, pois, pelo “Grande debate de Lampião com São Pedro”, onde José Pacheco esbanja talento e bom humor:

O GRANDE DEBATE DE LAMPIÃO COM SÃO PEDRO
Autor: José Pacheco da Rocha

(Trechos)

Chegou no céu, Lampião
A porta estava fechada
Ele subiu a calçada
Ali bateu com a mão
Ninguém lhe deu atenção
Ele tornou a bater
Ouviu São Pedro dizer
Demore-se lá. Quem é?
Estou tomando café
Depois vou receber

São Pedro depois da janta
Gritou por Santa Zulmira:
- Traz um cigarro caipira
Acendeu no de São Panta
Apertou o nó da manta
Vestiu a casaca e veio
Abriu a porta do meio
Falando até agastado:
- Triste do homem empregado
Que só lhe chega aperreio

Abriu na frente o portão
Ficou na trave escorado
Branco da cor de um finado
Quando avistou Lampião
Mas com a trave na mão
Não temeu de lhe falar
E disse: -Aqui não se dar
Aposento a gente mal
Senão que entrar no pau
Acho bom se retirar

Lampião lhe respondeu :
Não venha com seu insulto
Você é um santo bruto
Que ofensa lhe fiz eu?
E mesmo o céu não é seu
Você também é mandado
Portanto esteja avisado
Se não deixar eu entrar
Nós vamos experimentar
Quem é que tem bom guardado

- Você não entra, atrevido!
São Pedro lhe disse assim :
- Ingresso a quem é ruim
Nesta porta é proibido
Não sabes que sois bandido
Roubador da vida humana
Alma ferina e tirana
Coração cruel perverso!
Como queres um ingresso
Nesta mansão soberana

- É certo que fui bandido
Perverso, estrompa, voraz
Porém, quem foi não é mais
É mesmo que não ter sido
Mesmo eu sou garantido
Por um provérbio que tenho
Escrito sobre um desenho
Por pessoas elevadas
O qual diz: - Águas passadas
Não dão volta a meu engenho


— Não quero articulação
Você aqui nada tem
— É como você também
Lhe respondeu Lampião
É porque do seu patrão
Você transmite um mandado
Eu tenho visto empregado
Sair do trabalho expulso
Sem direção, sem recurso
Por qualquer trabalho errado

(...)

JESUS, SÃO PEDRO E O FERREIRO DA MALDIÇÃO
Franscico Sales Arêda

Quando Jesus e São Pedro
pelo mundo viajaram
em casa de um ferreiro
uma tarde eles chegaram
e pra descansarem um pouco
nessa casa se arrancharam.

O ferreiro muito alegre
deu uma boa hospedagem
para Jesus e São Pedro
descansarem da viagem
e tratou muito bem deles
com toda camaradagem.

E Jesus aproveitou
enquanto estava hospedado
e falou com o ferreiro
lhe mostrando muito agrado
para ferrar o burrinho
que ele andava montado.

O ferreiro interessado
fez o serviço ligeiro
porém Jesus disse a ele:
— Aqui não tenho dinheiro
mas te sirvo em três pedidos
pode dizer o primeiro.

O ferreiro olhou para Cristo
e começou a sorrir
depois disse: muito bem
tenho três coisas a pedir
porque sei que o senhor
pode isto me garantir.

— Vamos lá disse Jesus
diga que farei urgente
mas antes dele falar
São Pedro tomou a frente
e disse: Amigo ferreiro
me ouça primeiramente...

É verdade que não sei
qual sua finalidade
porém lhe dou um conselho
com toda sinceridade
peça-lhe o reino do céu
pra sua felicidade.

O ferreiro disse: Eu não
que céu não enche barriga
e olhando pra Jesus
lhe disse: Mestre me diga?
se pode dar-me uma coisa
que me serve e não periga.

Jesus disse: é qualquer coisa
que quiser pode falar
disse o ferreiro: Pois bem
quero que quem se sentar
no banco da minha tenda
só saia quando eu mandar.

— Prometo, disse Jesus
a outra coisa qual é?
— Pede-lhe o reino do céu
São Pedro gritou com fé
disse o ferreiro: Ora esta?
não me interrompa seu Zé.

(...)

VER TEXTO INTEGRAL DO POEMA AQUI: http://www.jangadabrasil.com.br/revista/junho67/cn67006b.asp

JESUS CRISTO, SÃO PEDRO E O LADRÃO
Manoel D’Almeida Filho

Jesus Cristo andou no mundo
Ensinando aos malfeitores
Com exemplos e milagres
Convertendo os traidores
No fim ainda deu a vida
Em favor dos pecadores

Os seus exemplos nos chegam
Através da sua glória
Onde muitos malfeitores
Inda alcançaram a vitória
Como esse que eu conto
Nessa pequena história

Jesus fez uma viagem
Com São Pedro certo dia
Por necessidade entraram
Numa grande travessia
Para salvarem um ladrão
Que só para o mal vivia

Mas São Pedro ignorava
O que ia acontecer
Porque Jesus não lhe disse
Para ele não temer
No meio da travessia
Começou escurecer

São Pedro tremendo disse:
- Estou morrendo de fome
Muito cansado e com sede
Só o medo me consome
Se não surgir uma casa
A onça hoje nos come

Jesus disse: a tua fome
Muito breve terá fim
"Ó homem de pouca fé"
Por que és tão fraco assim?
Estás tão desanimado
Que não tens fé nem em mim?

Porém adiante viram
Uma casinha surgir
São Pedro disse: eu não posso
Assim de noite seguir
Vou ficar naquela casa
Para comer e dormir

Jesus disse: Eu vou também
Para a casinha marcharam
Lá foram bem recebidos
Boa comida jantaram
E depois em boas redes
Todos dois se agasalharam

(...)

(BATISTA, Sebastião Nunes. Antologia da literatura de cordel)


Mais curiosidades sobre São Pedro na Literatura de Cordel e no Folclore, veja no blog ACORDA CORDEL: http://fotolog.terra.com.br/acorda_cordel


6 comentários:

  1. Os sertões de Canindé amanhecem mais tristes com a partida do nosso Riba Carneiro, excelente anfitrião, como bem o frisou o poeta Pedro Paulo. Estive algumas vezes em sua residência e a acolhida era sempre de primeira. Parece até que estou vendo:
    - Dona Mirtes, minha filha, ajeite alguma coisa pra esse povo!

    Aproveito o ensejo para parabenizar o grande sonetista GLAUCO MATTOSO pela passagem do seu aniversário.

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  2. Glauco Mattoso é um misto de erudição e fescenino, poeta e teórico que simultaneamente à elaboração de sua obra, explica, esclarece e cativa com seu humor refinado, mas escatológico. Tradutor de Borges premiado e de tantos outros poetas não alinhados. Ao mesmo tempo ainda é introdutor (sem trocadilhos) do xibunguismo na poesia nordestina machista por excelência. Louros ao poeta!

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  3. Contava-se no começo dos anos 80 que certa vez um agricultor contou decepcionado ao Sr. Riba Carneiro que o seu pedido de empréstimo na agência local do Banco do Brasil não fora aprovado. De imediato Riba Carneiro disse: "Não tem problema. Eu vou pedir ao Wanderley (então gerente) para creditar esse dinheiro na sua conta amanhã mesmo."
    Não se sabe se essa história é verdadeira ou não, mas é uma demonstração da habilidade do saudoso Riba Carneiro em se comunicar com as pessoas, de forma simples, direta e prestativa.

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  4. Pedro Paulo afirmou: "O curioso em Glauco é que ele escreve obedecendo à ortografia de 1940." De fato, constatei isto no soneto colocado no início do artigo. De início, ao ver a grafia diferente de certas palavras, pensei que se tratasse de uma espécie de trocadilho que eu não conseguia entender. Ou erro de digitação! As dúvidas que tenho são estas: i) se Glauco nasceu em 1951, como aprendeu a ortogafia usada no Brasil em 1940? ii) qual seria o motivo de ele usar nos dias de hoje essa ortografia? ela tem algo de especial? é mais apropriada para a poesia?
    Por favor, Pedro, explique-nos esse mistério.

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  5. Caro Flávio,já conheci o trabalho de Glauco Mattoso obecendo à ortografia de 1940. O poeta é também um grande literato e ensaísta e, não sei realmente por quê, ele não segue a ortografia moderna. Transmiti sua pergunta para nosso amigo Silvio R. Santos, que conhece mais a fundo a obra de Mattoso. Aguardemos, portanto, a resposta do Silvio.

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  6. Preliminarmente diria que, tendo amplos conhecimentos de filologia, sendo autor de um tratado de ortografia reversa, Mattoso encontrou sua forma de protestar contra o apelo comercial do novo acordo ortográfico. Consultar:
    http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id=3945

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