quarta-feira, 8 de junho de 2011

CRÔNICA


QUEM VIAJA…

…De Canindé a Fortaleza percebe o quanto a BR-020 encontra-se deteriorada. A buraqueira tomou conta da malha viária tornando-a um verdadeiro solo lunar. Mesmo a bordo de um veículo confortável, sente-se a angústia provocado pelas péssimas condições da rodovia, que provocam atraso na viagem. O mais espantoso é constatar o quão rápido a malha asfáltica sofreu tanto estrago. Calculo que faz cerca de três anos que esse trecho da BR foi restaurado. Por aí se deduz a má qualidade do trabalho que envolveu milhões de reais aos cofres da Nação. E todos esses gastos com serviços malfeitos são orindos de verba orçamentária, transferida por meio de licitação às grandes construtoras. Ao longo do caminho, carros quebrados por causa dos buracos. Em outros países com legislação séria, tais prejuízos são prontamente ressarcidos pelo Estado. Melhor dizendo, em países adiantos não há estradas ruins.
É profundamente lamentável as condições em que se encontra a BR-020, pois essa rodovia é um extenso braço que comunica a Capital com o interior do Estado, passando pelos sertões de Canindé, dos Inhamuns, até desembocar na divisa do Ceará com o Piauí. Por ela escoa a produção do interior para Fortaleza. Por ela também, e mais ainda, transitam mercadorias que o sertão importa da Metrópole. É, sem sombra de dúvida, uma das artérias mais importantes que cruza o Estado de uma ponta a outra. E até agora, ainda não se viu ninguém empenhado em reivindicar a restauração da BR-020: nenhum parlamentar, pelo que sei, ainda adotou essa causa que clama por urgência, enquanto resta aqui acolá presumivelmente um pouco de pavimentação asfáltica.
O que alivia um pouco o desconforto do viajante, entre Canindé e Fortaleza, é contemplar o cenário verde do sertão. Em outra ocasião, já falei aqui no blog a respeito da floração da catinga. E, mais uma vez, não posso me esquivar de relembrar o quanto ainda continua exuberante a paisagem do sertão, já nessa transição da estação das chuvas para os dias ensolarados. O que domina mesmo o panorama é a floração das violetas, fazendo a catinga parecer um céu pintado de estrelas. De um lado e outro da estrada, veem-se imensas extensões de mata rasteira coberta de flores. A visão nos dá também uma ideia do quanto inconscientemente (e felizmente!) muito do nosso semi-árido ainda está preservado. Nos longos trechos de chão despovoados, a mata nativa dá o ar de sua graça. Ecologicamente, a realiade aponta para um certo equilíbrio nesses intervalos de chão.
Durante a viagem, de súbito uma imagem estranha invade nosso campo de visão. A princípio, uma ideia otimista se apoderou de mim: como uma miragem, pensei estar vendo uma capoeira de algodão. A ilusão foi logo desfeita, pois concluí que, mesmo no auge da prosperidade do nosso Ouro Branco, por este período do ano ainda não era o tempo certo da colheita do algodão, o que acontecia mais tarde, de setembro em diante. Mais de perto, o que eu estava vendo mesmo era uma capoeira de plástico. Já estávamos nos avizinhando de Fortaleza, em locais onde o lixo urbano toma conta do mundo. Sacos plásticos esvoaçando e grudando-se na copa das árvores baixam... foi o que me deu a ideia feliz e até quixotesca de estar vendo um algodoal.
Em Fortaleza, outros sinais de destrato com a coisa pública são notados nos vários pontos da cidade. Lá também a buraqueira toma conta das ruas. Obras inacabadas entulham o trânsito. O tão esperado Metrô parece ainda estar longe de transportar o fortalezense, haja vista a modorra das obras. Em alguns cantos, a cidade parece não ter quem a administre. Maltratada e descuidada está a “Loira desposada do sol”, como a decantou o poeta Paula Ney em soneto célebre. Cidade enorme mas nem mais tão bela, restam-lhe, evidentemente, aqueles vestígios de grande beleza, como deusa desfigurada.
Ali reencontrei o poeta Arievaldo. Em seguida, o poeta e jornalista Wanderley Pereira, na redação da TV Jangadeiro, onde trabalha. Apresentou-me seus colegas e fez questão de me mostrar os vários departamentos da emissora. Tive oportunidade de ver de perto o trabalho complexo de quem faz televisão. Vi as ilhas de edição, estúdios, camarins, sala de redação… Em todos esses setores de trabalho a arte sempre diz presente. Vi também rostos conhecido da tela, os apresentadores que dia a dia estão em nosso convívio pelo milagre da eletrônica. Um ambiente de trabalho onde várias inteligências trabalham em cadeia, lincados tanto pela eletrônica como pelo pensamento. E ali está o Wanderley, com sua larga bagagem de homem de jornal com passagem pela grande imprensa do país. Mesmo no meio da azáfama, encontrou tempo para tirar do bolso um de seus sonetos mais recentes, que aqui repasso para os leitores do blog:

A VIDA

Wanderley Pereira

Fala-se da velhice qual se fora
Um trago ruim da vida, último trago;
Da juventude fala-se com afago
Como de fonte nova, promissora!

Em qualquer fase a vida é portadora
Das dádivas do tempo, é como um lago
Numa paisagem doce, ou como o bago
Do fruto azedo e casca sedutora.

Ela é plantio, mas também colheita;
É porta larga e às vezes porta estreita,
Por onde passam sonhos e ilusão.

Na primavera ostenta mais saúde,
Porém no outono mostra mais virtude,
Mais ardor numa, noutra mais razão!

Fort. 02.06.11
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3 comentários:

  1. Como diria o Bruxo do Cosmo Velho, mudou a estrada ou mudei eu. Antigamente pra trás, era possível fazer o percusso Fortaleza-Canindé e vice-versa, em até hora e meia. O padecente, que agora se direcione para a Fortaleza bela gasta três horas. Quem tiver seus compromissos que saia cedo, porque a chegada vai custar pode ter certeza. Na louvada economia de livre concorrência, mas severamente monopolizada, que outra opção terá o perambulante? Já se foi o tempo em que havia diferença entre ir pelo Tabapuá ou pelo Maranguape, ficou tudo igual, mas pior.

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  2. Eu pensava que, percorrendo a metade do caminho por Maranguape, não se enfrentaria muitos buracos. Mas pelo que li nesta crônica, até por esse caminho está difícil. Viajei para Canindé no começo de abril e os buracos eram poucos, desviáveis por uma diminuição de velocidade ou indo pelo acostamento.
    Embora não queira dar uma conotação política, nos 8 anos de governo do FHC a BR-020 esteve muito pior. O Brasil dava a aparência de estar falido, tal o descaso. No governo Lula houve uma reforma razoável, inclusive na BR-116, que estava pior do que a nossa, no abominável governo FHC.
    Só espero que a nossa presidenta tenha suficiente lucidez e visão para iniciar logo essa obra de recuperação. Se não o fizer, lamento ter votado nela.

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  3. Concordo com o amigo Flávio, no tempo de FHC era pior, não só as estradas...

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