No ano 2002, Vila Campos conquistou um sistema de abastecimento de água encanada. Com a novidade, o velho jumento foi automaticamente dispensado da labuta diária de transportar água para as diversas casas da povoação. Na época, escrevi esse cordel que foi publicado e ainda hoje é um título procurado pelos leitores. A capa do folheto é criação de Arievaldo.
CAMPOS TEM ÁGUA ENCANADA
E ATÉ JUMENTO AGRADECE
Encanar água na vila
Foi um grande benefício
Carregar caneca dágua
Não tem maior sacrifício
Libertou desse tormento
Um miserável jumento
Que trabalhou nesse ofício
Eu sou um pobre gangão
Já velho e todo quebrado
Trabalhei botando água
Desde quando fui criado
Não tenho nem mais lembrança
Também não tinha esperança
De um dia ser libertado
Na minha luta diária
Só tinha direito ao sono
Não tinha um dia de folga
Nem salário nem abono
Pois jegue não se aposenta
Nem tem direito a jumenta
Quando é escravo do dono
Com quatro canecas dágua
Sacudidas no meu lombo
Uma cangalha de pau
Que só me dava calombo
Cortando o meu espinhaço
De tanto peso e cansaço
Eu cansei de levar tombo
Quando o sol vinha saindo
Vinha um tal de capataz
De longe, logo dizia:
Te levanta, satanás!
Eu, com dor no esqueleto
E o malvado Chico Preto
Me castigando por trás
Satanás era um dos nomes
Que o Chico botava em mim
Quando tava de lundu
Me chamava ‘peste ruim’
‘Ladrão do cercado alheio’
‘Condenado’, ‘troço feio’
Chamava até de ‘Caim’
Em mim, botava o cabresto
E a cangalha também
Só dizia nome feio
Que contei pra mais de cem
Não ligava nem pra cruz
Da mijada de Jesus
Que todo jumento tem
A casa que eu trabalhei
Era grande, eu não me engano
Ali, todo santo dia
Que o bom Deus deixou no ano
Tinha gente de magote
A água entrava no pote
Eu entrava pelo cano
Água pra lavar o povo
E água para a cozinha
Água pra bode, pra porco
Cachorro, gato e galinha
Até mesmo no inverno
Pra mim era o mesmo inferno
Pois pouco descanso tinha
Quando a Vila tinha festa
Aí, eu não tinha paz
Enchia a casa de gente
Menino, moça e rapaz
O povo se divertia
Justamente nesse dia
É que eu trabalhava mais
Certa vez, eu quis fugir
Mas lembrei dum camarada
Que pôde furar a cerca
E saiu de madrugada
Com raiva, um caminhoneiro
Pegou o meu companehiro
Deixou morto na estrada
Eu também carreguei água
Pra construção de parede
Enquanto o patrão dormia
Descansando em sua rede
Mas a minha maior mágoa
Foi ter carregado água
Já me lascando de sede
Quando eu ia pra cacimba
Que avistava uma donzela
Rinchando atrás de namoro
Não podia olhar pra ela
Que o malvado Chico Preto
Em mim metia o espeto
Mesmo em cima da costela
Era assim a minha vida
No tempo que fui bombeiro
Meu irmão Padre Vieira
No seu livro justiceiro
Eu deixo, como jumento
O meu agradecimento
Sincero e bem verdadeiro
Mas todo jumento é mole
Por mais sorte que ele tenha
Não termina uma desgraça
Que outra maior não venha
Ouvi meu dono dizer
Que, não tendo o que eu fazer
Vou servir pra botar lenha
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