quinta-feira, 19 de maio de 2011

CRÔNICA


MEMÓRIAS DO BAR DO TOINHO…

A extinção de um bar siginifica para seus frequentadores habituais uma espécie de orfandade. Fica no espaço aquele vazio perene. Para os saudosistas, uma nostalgia sem consolo. E quando o estabelecimento é ponto de tradição, seu fim particulariza uma época e uma geração inteira.
Toinho e o engraxate
Risadinha (esquerda)
Cerrou suas portas em Canindé o Bar do Toinho (ex-lanchonete Marcos & Marcos), ponto comercial pequeno no espaço físico mas grande no serviço. O cenário interior se destacava por uma grande tela pintada pelo artista Isaías Costa, mostrando em primeiro plano São Francisco sentado e cercado por pássaros; ao fundo, a igreja do santo de Canindé. Era tudo o que havia de imaculado naquele ambiente. A meu ver, pela utilidade que tinha, o Bar do Toinho, a despeito da eficiência, estava mais para empresa pública do que particular. Situado no coração da cidade, em frente à praça Tomás Barbosa, era frequentado por uma fauna expressiva, incluindo personagens singulares e tipos de rua. A vizinhança, em geral – comerciários, camelôs, engraxates, garis, cambistas, além de vendedores ambulantes, pedintes, desocupados –, diariamente se servia daquele espaço. Logo na entrada havia o pote dágua com um caneco à disposição. E todos, indistintamente, iam ali, para usar a pia, o espelho, o palito de dente, o fósforo, o guardanapo, o cafezinho, tudo isso na base da camaradagem.
Um dos departamentos mais procurados, entretanto, era o banheiro, um cubículo que servia também de depósito para os vasilhames de cerveja e refrigerante. Tendo em vista a escassez de sanitário público nas imediações, o do Bar do Toinho prestava um serviço sem dúvida imenso. Acresce que, além da sua verdadeira função, o banheiro ainda servia de provador para os clientes de uma banca de confecção que havia na calçada.
Por trás, o pote dágua
na calçada
Era um movimento desordenado durante todo o dia. Mas o que mais caracterizou o Bar do Toinho foi a presença habitual de outro segmento. Desde sua fundação, aquele local tornou-se o centro de gravidade que atraía uma plêiade de poetas e escritores boêmios. Também pudera! Situado entre a Casa Marreiro, do poeta Natan, e a loja Chapéu de Couro, do escritor Cesar Menotti, o Bar do Toinho aninhava um agrupamento inusitado que chegava a chamar a atenção dos transeuntes. Os poetas ali se ajuntavam em reuniões bem regadas e barulhentas. (Convém lebrar, entanto, que a direção do estabelecimento só liberava a venda de bebida alcoólica depois do meio-dia, quando cessava a freguesia do caldo com pastel, exlcusividade da casa. Só então começava a chegar a clientela da pinga e da cerveja.)
Carlos Mandrinni
Nos finais de tarde, já era vistosa a confraria. Pontificavam ali com mais assiduidade o poeta Mário Lira, com seu soneto mais recente; Celso Góis, com uma décima rabiscada; Arievaldo, com um cordel de gracejo; Gonzaga Vieira, com o jornal da véspera; vez por outra o médico João Paiva, recitando sonetos do Padre Antonio Tomaz; e menos frequente o poeta Silvio R. Santos, trazendo invariavelmente uma novidade literária. Completavam o círculo Assis Vidal e o discófilo Nelsinho Lourenço, com seu inseparável rapé. Uma figura saudosa e sempre de bom ânimo era meu amigo Carlos Mandrinni que costumava adentrar o ambiente cantarolando, e com boa voz, alguma canção de Nelson Gonçalves, seu ídolo eterno. Esse costume inspirou o Toinho a criar o quadro “A música do dia”. Parece-me agora estar ouvindo a voz do velho Mandrinni, de longe e de braços abertos me cumprimentando, enfático: “Pedro Paulo Paulino, Poeta Popular!” E se orgulhava de ter engendrado esse pensamento: "Se não fosse a música, o mundo seria cheio de ruídos horrosos".
Bem, a mesa posta na calçada era servida, nem sempre a contento, pelo garçom Adriano. O local não tinha evidentemente aquele glamour dos cafés parisienses. Mas não há que se negar que aquele trecho de chão urbano respirava poesia e boa prosa, ao tempo em que seus ocupantes também se contentavam em admirar as beldades na passsarela da rua. Daquelas audiências alegres saíram muita história bem-humorada, muito folcore e muita rima, de ordinário escrita em guardanapo.
Até mesmo o Toinho, oriundo da roça e com pouca escolaridade, ilustrou-se ouvindo a conversa eclética daquela gente. E ao burburinho dos poetas, juntava-se o vozerio de outras pessoas, num entra-e-sai frenético, enquanto o Toinho, na estreita cozinha do bar, preparava o caldo à base de jerimum que era vendido na manhã seguinte.
Na calçada do bar do Toinho
Eis em síntese o que era o Bar do Toinho. Fechou não pela inoperância e desorganização, porque assim resistiu cerca de quinze anos. Fato é que o prédio foi devolvido para outra finalidade. Sequer mesmo foi preciso pedir concordata. O Toinho, durante esse longo período de faina incessante, acumulou tão-somente a dura experiência de bar-man, mas também boas amizades e uma grossa pilha de “vales” dos seus fregueses inadimplentes. Se não ajuntou bens, também não acumulou maldade.
É que o Toinho, apesar da experiência, não atentou para um detalhe. É sabido de todos, desde os tempos do Quintino Cunha, que todo bar que acolhe poetas finda sempre assim: melancólico e quebrado. Au revoir, Toinho! (Crônica publicada no jornal Folha Regional, em fevereiro de 2008)

SONETO PARA UM FALSO BAR 
Versos feitos para o extinto bar do Toim no mercado velho,
em Canindé, engolfado pela fúria da modernização...

Silvio R. Santos


Havia no mercado velho um bar,
indeciso entre cana e vitamina,
seu cardápio imitava uma oficina:
balbúrdia, poucos bebes, sem manjar...



Os poetas ociosos tinham lar
na calçada, ocupando essa cantina
entre operários... noite, essa buzina
impedia o expediente de encerrar...



Em frente, a rua em passarela punha
ninfeta, camelô, ladrão, velhota;
e tira-gosto havia, às vezes, unha...



Misturou-se cerveja com compota...
Era um bar que em merenda se compunha
ou restaurante? Enfim no que se vota?..


7 comentários:

  1. Muitos folhetos que circularam nos últimos 15 anos foram feitos nas mesas do Bar do Toinho, a antiga lanchonete MARCOS & MARCOS, no Mercado Velho de Canindé. O espaço era frequentado pelos literatos locais... Pedro Paulo, habitué; Silvio Roberto Santos, Mário Lira, jornalista Alves Caprino, poeta Natan Marreiro, dentre outros.
    Resta ainda o bar do ALMIR & MAZÉ, mas depois que esse ótimo reduto da boemia cerrou suas portas, o Mercado nunca mais foi o mesmo.

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  2. bela memoria nao pode deixar em branco

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  3. Sem dúvida,como você diz, poeta, a fauna humana que frequentava o bar do Toim é irrepetível. Poetas,magistrados, eletricistas, ninfetas, chatos de galocha, todos marcavam encontro inesperado nesse covil, em que não se sabia se era comércio de merendas ou de coisas mais voláteis. Quantos versos feitos na calçada enquando o lado mais belo da "fauna" transitava por perto, brindes hostis,foram substituídos por uma insípida loja de bolsas, bolsinhas e, calçados...

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  4. E dos bares da Rua Palha? nao tem cronica? bem que eu me lembro de certos nomes citados acima, frequentar com similar assiduidade aqueles barzinhos rsrsrsr

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  5. Pensei que o poeta Silvio Roberto fosse dizer..."Um comércio de bolsas, bolsinhas e CORNETAS..." kkkkkkkk

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  6. Bons tempos em que eu morava em Santa Quitéria e vinha visitar meus pais aqui em Canindé, onde invariavelmente costumava encontrar meu saudoso amigo Idelmar e também o poeta Mário Lira, onde nos finais de tarde no Bar do Toinho, tomávamos umas e outras relembrando tempos idos de nossa juventude, quando a felicidade era uma realidade presente, porém não imaginada.

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