quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

ODISSÉIA

Por Freitas de Assis

Passados pouco mais de meio século de minha existência, chega ao fim minha fase de puberdade, onde agora, livre das obrigações profissionais com a secular corporação Alencarina, inicio minha jornada na vida adulta, sendo agora um jovem senhor aposentado, parasita do estado, recebendo seu rico dinheiro ao fim do mês, sem nem sequer dar um prego numa barra de sabão. Mas afinal foram 31 anos servindo e protegendo a sociedade, onde algumas vezes minha vida foi posta em risco, minha família foi privada de minha presença em aniversários, Natais e comemorações de Ano Novo, ficando a cobrança dos entes queridos que muitas vezes não compreendem as obrigações profissionais e os rigores da hierarquia militar, onde a cada despedida corria um risco maior de não retornar ao aconchego do lar. Hoje aposentado, mas não inativo, já vejo o mundo com novos olhos, onde antes de qualquer coisa, agradeço ao Criador por ter alcançado essa dádiva e completado minha jornada profissional com a saúde física e mental sem graves sequelas, e ainda sem colecionar desafetos dentro da caserna, muito pelo contrário graças ao bom Deus, e apenas uns poucos protagonistas de ocorrências, as mais variadas, que não ficaram satisfeitos com o desenrolar dos fatos, talvez possam nutrir alguma mágoa contra minha pessoa, a mim desejando o mal por ter agido com um pouco mais de energia contra eles, cessando suas ações criminosas e culminando com o cerceamento de sua liberdade.

Durante o ano de 2021 inicio a contagem do meu tempo de serviço para dar entrada em meu processo de aposentadoria, chamada de promoção requerida, onde em fins de setembro deste ano tem início minha jornada burocrática com toda a documentação necessária para a aventura que meu nome seguirá nas inúmeras pastas e secretarias do estado, e após algum tempo, devido a um erro no nome de mina amada mãe em uma certidão, o processo é parado para sanar o imbrólio e reiniciar novamente de onde parou. Em dado momento, confesso gora, devido as circunstancias do trabalho, ao círculo de amizades que criei, e outras banalidades ou mesmo medo da inatividade e a falta que a atividade policial poderia fazer em minha vida, tive um breve instante de reflexão e cogitei dar uma pausa em todo o processo, talvez ficar mais um ano, onde vejo alguns contemporâneos esperarem o tempo limite e só sairem da instituição na chamada expulsatória, e imagino como seria a vida após a aposentadoria.

Mas foi uma emoção efêmera, que se dissipou e virou uma vaga lembrança. Já em dezembro de 2022, inicio as merecidas férias, a última da carreira, sabendo que vou passar Natal e Ano Novo com a família, com o conhecimento de que minha equipe de serviço trabalhará no último dia do ano. Passado todo o tramite burocrático após mais de um ano, está o bendito processo parado no último estágio, esperando a benevolência do gestor da pasta onde ele se encontra para o encaminhar à mesa da governadora em seus últimos dias de mandato.

As revigorantes férias estão dando um adeus e em início de janeiro retorno ao trabalho, assim como ocorreu em janeiro do longínquo 1993, sendo que naquele ano eu entrava de serviço pela primeira vez servindo no 4° Batalhão na função de patrulheiro do sargento Justa, hoje tenente reformado e atuando como advogado, juntamente com um motorista cujo o nome me foge a memória. Era um tempo de raras ocorrências, não haviam celulares e redes sociais, o transito era rarefeito e ainda não existiam famigerados paredões de som; ocasionalmente haviam situações onde a presença policial se fazia necessária. Óbvio que assaltos, estupros, brigas de casal e desordens por embriaguez, são situações que existem desde tempos memoriais na história da vida cotidiana de inúmeras cidades mundo afora, bem como acidentes de transito existem desde a invenção do automóvel. E um acidente de transito foi o que marcou minha estreia na vida policial em Canindé, para onde vim transferido após um breve período de recrutamento e serviços prestados junto ao batalhão de choque, mas antes de me apresentar em dezembro de 1992, acabei ficando 15 dias de molho devido a uma torção no tornozelo. No retorno em janeiro, assumo a viatura para uma jornada de 24 horas de serviço por 24 de folga, uma escala inimaginável nos dias de hoje, onde este serviço em particular foi marcado apenas pela ocorrência de transito que mencionei, quando minha amiga Verbena, que hoje trabalha no Museu da Casa de São Francisco, sofreu uma fratura na canela, quando trafegava com outra amiga em uma motocicleta nas proximidades da chamada Curva da Morte, na Avenida Perimetral nas cercanias da Churrascaria Cajueiro, e colidiu em um ônibus, se não me engano, da empresa Gontijo. No Hospital São Francisco foi atendida pelo Doutor Martinho. Desta forma, coincidiu quase que um aniversário de trinta anos entre meu primeiro serviço em Canindé e o último, apenas uma diferença de dois dias, já que o acidente da Verbena ocorreu em cinco de janeiro de 1993 e meu último serviço foi registrado no dia três de janeiro de 2023 e no dia 04 veio a publicação de meu afastamento.

Chega ao fim dezembro, e em seu último dia com as expectativas do ano novo que se anuncia, permito-me uma extravagancia antes de iniciar as comemorações de Ano Novo e a farta ceia comum nesse feriado. Pego minha velha Bike, abasteço a mochila com água e sigo em direção da localidade de Cachoeira dos Lessas, onde um pouco mais adiante mora minha mãe e minha irmã caçula. Chegando por volta das nove da manhã, fico algum tempo, almoço e retorno para casa, numa jornada de 28 quilômetros ida e volta aproximadamente, debaixo de sol escaldante em uma estrada carroçável, uma verdadeira odisseia. Valeu a pena cada quilometro percorrido e cada gota de suor derramado de minha viagem, assim como valeu também cada ocorrência vivida e resolvida em todos esses anos vividos dentro da instituição. Ficarão eternizadas em minha gasta e velha memória as boas amizades, as histórias dentro das patruhas, as brincadeiras, as boas lembranças e a saudade. Tirando alguns poucos dissabores e observando algumas situações absurdas que presenciei, posso relatar que saio satisfeito, feliz e com a sensação de dever cumprido, pois sempre procurei pautar pela ética e profissionalismo em minhas ações. Dentro e fora da instituição Polícia Militar fiz boas amizades e conheci personagens únicos, como um grande amigo de Quixadá que dentre outras estórias, afirma em alto e bom tom que já presenciou naves e alienígenas nos sertões da Terra dos Monólitos e que seres interplanetários ocasionalmente por lá aportam para beber cachaça e zinebra com seu irmão em um terreno da família no interior de Quixadá. Assim, passados pouco mais de trinta anos de início de minha aventura embrenhando a farda da gloriosa, confesso que vivi bem esses meus últimos 31 e um anos de luta. Agora vou viver melhor para minha família e lembrar dos ecos dos tempos de herói.

12 comentários:

  1. Feliz aquele que chega no final da sua carreira e consegue viver em paz! Muitos não tem a mesma sorte! Aproveite bem essa sua fase da vida!

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  2. Foi um privilégio ter trabalhado com o tenente Freitas

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  3. Parabéns Freitas! Viva bem seu merecido descanso.

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  4. Meus cumprimentos militares a este honroso profissional de segurança, a qual tive a oportunidade de ladear por poucos serviços de sua longa carreira, mas que me serviram como exemplo de como se devo portar-me diante a rotina de bom profissional.

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  5. Parabéns meu Amigo de turma, de pelotão e da Gloriosa. Que Deus abençoe essa sua nova etapa da vida, e que a aproveite a companhia de sua família. Fica com Deus e um grande, forte e fraterno abraço.

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  6. Ten Freitas, um excelente profissional digno de honra e mérito, no atendimento ao público sempre polido ao verbalizar e intrépito ao perigo, deixa saudades no 4° BTL, mas sempre será recebido com regozijo quando passar pra sorver um café, e presentear-nos com suas histórias eloquentes ricas em detalhes que formenta deleite ao ouvir.

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  7. Parabéns, amigo tenente Freitas, somos vencedores nessa batalha e aproveito pra lhe desejar boa sorte na nova rotina e também não podemos esquecer de nessa despedida continuar na torcida pelos nossos irmãos de farda que ainda não completaram seus tempos, para que possam no futuro sentirem também essa maravilhosa sensação. Forte abraço.

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  8. Muito bom Ten Freitas. Um excelente profissional que tive o prazer de labutar... Que está tento o devido e merecido descanso.

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  9. Parabéns de sua querida Zuleide, Deus te abençoe.

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  10. Caro irmão, filho do meu inesquecível Norberto, fez uma trajetória belíssima na sua profissão, confesso que tenho por você muita estima e consideração. Agora ainda muito jovem deve se preparar ou se não já está preparado para uma nova missão. Que Deus te abençoe 🙏🙏🙏🙏

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  11. Que bela trajetória 👏

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  12. Valeu Ten Freitas, é bom ir pra casa sem sequelas. E vamos contar histórias.👍🏻

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