quarta-feira, 20 de abril de 2022

PEDALADAS MATINAIS

Por Freitas de Assis


Nem bem o dia amanhece e vez por outra estou na estrada lutando contra as calorias mais evidenciadas na circunferência abdominal, tentando pôr o corpo na melhor forma física que a idade permite, destruindo quilômetros em cima da velha “bike”, passando pelos desconhecidos e amigos que caminham, correm ou pedalam com objetivos semelhantes ao meu, onde neste pequeno percurso, o que observo além de meus semelhantes e a paisagem urbana, é o raiar de um novo dia, o sol que começa a resplandecer no horizonte, o vento frio da manhã que acaricia meu corpo e rosto já úmidos de suor pelo esforço empreendido, enfim, a liberdade.

E quase sempre nestas jornadas, a modorra e a mesmice são ocasionalmente quebradas por algum evento fortuito, como agora em meados de maio de 2021 na rua próxima de minha casa, uma cena tipicamente de grandes metrópoles: o trânsito fluindo lentamente, guardas controlando o fluxo da via e o intermitente da ambulância dos bombeiros, ao longe, tingindo a manhã de vermelho e os curiosos de plantão. Me aproximo... e “está lá um corpo estendido no chão”, com vida graças a Deus e com os soldados do fogo colocando um colar cervical na vítima. É uma mulher. Vai sobreviver. Um acidente de moto. Torcemos para que não fique internada, pois neste 2021, mais um ano desta pandemia, usada politicamente de formas que me recuso a comentar, em que amigos e entes queridos são levados mais cedo aos braços do Criador por essa doença que nivela ricos e pobres, não distinguindo entre suas vítimas o valor de sua conta bancária, apenas que pessoas mais abastadas podem pagar por um tratamento melhor caso a doença se agrave, mas não é sinônimo de salvação, e o fato de precisar de serviços hospitalares e entre eles a internação, existe grande risco de se contaminar. Mas não há com o que se preocupar. Se ela tiver histórico de atleta será só um resfriadinho, diriam alguns.

E ainda sobre pedalar e a quebra da rotina, nestas empreitadas, de vez em quando costumo mudar o percurso e rotineiramente me pego trafegando bem cedo pelo centro da Capital da Fé, passando pela nossa majestosa Basílica, subindo a avenida Chico Campos, retornando até o Zoológico e seguindo novamente pelo centro e indo para casa. Ocorre que o Zoológico, a Praça dos Romeiros e a Casa de São Francisco fazem parte da memória afetiva da maioria de nós canindeenses. Particularmente a mim mais ainda pelo fato de ter visto a construção da Praça dos Romeiros no final dos anos 80 do século passado e participado em meu primeiro emprego da construção do Zoológico em meados de 1991 ao lado do meu saudoso pai, do meu tio Chico Mãezinha e do seu Josa, exímios ferreiros, como já mencionei em outras ocasiões, quando da construção do Zoológico, ouvia melodias com o ribombar da marreta na bigorna e no ferro em brasa.

E nestes dias de retorno para casa, saindo do Zoológico, vejo a modorra ser quebrada pelo fato da velha oficina onde trabalhei com meu pai trinta anos atrás e que fica bem próxima do Museu, encontrar-se aberta. Segui até lá e o funcionário que se encontrava me deu um cordial bom dia, exaltando minha antiga patente militar de sargento, ignorando o fato de eu já ser subtenente, o que pra mim é irrelevante, já que o mesmo não deve conhecer de cor e salteado a hierarquia militar. Cumprimentei-o de volta e mencionei que trabalhei ali com meu pai no longínquo 1991 e adentrei na velha oficina e fui instantaneamente transportado para distantes e alegres memórias ao lado de meu pai e ocasionalmente de meu irmão Eriberto. Pois antes de aprendermos as primeiras lições de solda elétrica, ainda imberbes meninos, nos aventurávamos em cair e ralar os joelhos nas primeiras lições de bicicleta nos fundos da velha oficina, onde existia um enorme terreno antes da Praça dos Romeiros, inclusive um campo de futebol. Ando pelo interior da oficina e revejo as velhas máquinas que segundo o funcionário são pouco usadas, mas todas em perfeito estado. Estão lá o policorte, a prensa hidráulica, o esmeril, a furadeira e a forja com a bigorna, com uma marreta de cabo metálico e outras ferramentas feitas pelo saudoso seu Noberto, todas cheias de histórias de vidas para contar. Vi e revivi momentos alegres e saudosos. O movimento de muitos funcionários, as brincadeiras e a camaradagem. Tirei algumas fotos para lembrança, me despedi e agradeci ao funcionário pela oportunidade e fui me embora no momento em que caía uma leve chuva que ajudou a disfarçar umas poucas lágrimas que queriam transbordar de meus marujados olhos.

8 comentários:

  1. Muito boa história.narrtiva perfeita.recordar, é viver....

    ResponderExcluir
  2. Parabéns, Sub Freitas. Uma crônica muito interessante...

    ResponderExcluir
  3. Parabéns amigo Freitas , essa sua história narrada me lembra um pouco das minhas atividades físicas, também pedalo e faço minha corrida matinais , pra manter a saúde e a forma física e mental

    ResponderExcluir
  4. Parabéns sub , que nosso Deus continue abençoando sua vida grandemente 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

    ResponderExcluir
  5. Não deixa nada a desejar, a crônicas de escritores famosos , porquê vc Freitas é um grande escritor.

    ResponderExcluir
  6. Estou gostando de ler muito bom

    ResponderExcluir