Cordel de gracejo em homenagem a dois vultos icônicos da
Velha Guarda boêmia de Canindé, Ceará.
EU SONHEI COM O
TONICO
PUXANDO O TOIM VALBERTO
Pedro Paulo Paulino
Esta noite eu fui dormir
Um tanto quanto cansado,
Devido à luta diária
Pra dar conta do recado.
Confesso que nem jantei,
E sendo assim, eu sonhei
Um sonho tresvariado.
Eu sonhei com o Tonico
Puxando o Toim Valberto.
O centro de Canindé
Estava quase deserto,
De modo que nesse dia,
Afora os dois não se via
Um outro amigo por perto.
Toim vinha caminhando
Cansado, quase sem fala,
Pegado à mão do Tonico,
Com a barba muito rala.
Eu prestei bem atenção
Que na sua outra mão
Ele usava uma bengala.
Passaram ambos calados
Em frente à Casa Marreiro,
O Tonico, lentamente,
Puxando o seu companheiro.
Espantado, vendo aquilo,
Foi que resolvi segui-los
Para saber o roteiro.
Caminhei atrás dos dois,
Nem distante nem tão perto,
E passando em frente à ótica
Do nosso Carlos Alberto,
Eu juro para você:
Fazia pena se vê
O jeito do Antõe Valberto.
A cabeça muito branca,
Triste, sem nada falar,
Olhar muito piedoso,
Vagaroso no andar,
Parecia um passarinho
Que de velho, cai do ninho
E não pode mais voar.
Chegando no Posto Azul,
Dobraram para a direita.
E eu sempre ali por perto
Seguindo os dois na espreita.
E quando a dupla marchou
Rumo do Monte, aumentou
Dentro de mim a suspeita.
Lembro que depois passaram
Em frente do Sindicato,
O Toim se arrastando
Vagaroso como um pato;
O Tonico, bem trajado,
De calça e pano passado
E belo par de sapato.
Prestem atenção agora,
Como sonho tem mistério.
Tonico tinha um semblante
Muito grave, muito sério,
Como eu nunca o vi assim,
E arrastando o Toim,
Dobraram pro cemitério.
Chegando ali, o Tonico,
Com jeito abria o portão,
Mas sem soltar o Toim,
Preso pela sua mão,
O qual, cheio de espanto,
Adentrava o campo santo
Nessa mesma ocasião.
Penetravam numa ala,
Por sinal um tanto escura.
Dava pra ver no Toim
Sinais de grande tremura.
Tonico, sem gaguejar,
O ordenava a sentar
Em cima d’ua sepultura.
Já com pouco tempo estava
Cheio de alma por perto.
Foi quando o Tonico disse:
“Esse é Toim Valberto.
Da morte, atendendo apelo,
Eu fiz questão de trazê-lo
Para o seu lugar mais certo.
Tenham cuidado com ele,
Pois é muito linguarudo.
Fala da vida do povo
E dá notícia de tudo.
Toda fofoca ele gera.
Um elemento assim era
Para ter nascido mudo”.
Tonico continuou
Nesses termos a dizer:
“Por sinal, é meu compadre,
Disso não posso esquecer,
Mas é inconveniente
E só dá trabalho a gente,
Inclusive pra morrer.
Agora, eu peço licença,
Porque tenho que partir,
Vou fazer o meu programa,
Pois o povo quer ouvir.
Entreguei a encomenda,
Ponham nele uma venda,
Para o Toim não fugir”.
Assim disse e foi embora
Caminhando acelerado,
Enquanto o Toim ficava
Na sepultura sentado,
Em profunda solidão,
Com a bengala na mão,
Branco da cor dum finado.
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