QUANDO O CÉU ERA DO PROFESSOR FARIAS…
Pedro Paulo Paulino
Observar o céu noturno é um hobby que me acompanha desde a adolescência e, até hoje, ainda sinto um raro prazer em ver as estrelas. Houve mesmo um tempo em que meu interesse pela astronomia despertou-me maior entusiasmo. Em Canindé, entre um grupo de imberbes já deixando o curso secundário, dividíamos horas em comentar assuntos dessa natureza, principalmente influenciados pelo astrônomo e escritor norte-americano Carl Sagan, que na década de 80 virou astro de televisão em grande parte do mundo com seu seriado Cosmos baseado em seu best-seller de mesmo nome. E também motivados pela leitura de Isaac Asimov, Stephen Hawking, George Gamow, John Gribbin e o brasileiro Ronaldo Rogério de Freitas Mourão.
Com o telescópio do Professor Farias, (1988) |
A crônica astronômica de Canindé, todavia, merece ser dividida em duas épocas distintas: antes e depois do Professor Farias. Seu prenome Eliúd, somado à cor triguenha e à uma boa estatura, fazia mesmo evocar nele alguma origem judia que lhe dava um aspecto de cientista maluco, predicados que o deixavam ufano. Barba rala, calva proeminente, tinha um olhar inquieto – e nem a lacuna deixada pelos pré-molares inibia em sua boca um sorriso franco. Contava presumíveis 50 anos. Professor Farias desembarcou em Canindé por volta de 1988 e logo sua presença causou impacto na cidade. Astrônomo, articulado e sobraçando invariavelmente um exemplar da revista Times, por outras qualidades mais ganhou a simpatia de todos. Foi acolhido mesmo pelo poder público, quando dirigia a cidade o então prefeito Ivan Magalhães que o mandou hospedar no melhor hotel, vendo nele talvez um guru para a geração de jovens estudantes das escolas municipais.
Lopes observa o céu na Vila Campos |
Porém, o que mais ainda fazia chamar atenção no Professor Farias era exatamente um telescópio que ele trouxera consigo e que para todos nós foi motivo de muita curiosidade.
Instalado à noite em locais estratégicos da cidade, através de suas lentes vimos a primeira vez aspectos maravilhosos do céu, como os quatro satélites interiores de Júpiter, os anéis de Saturno e as crateras da Lua. Imagens vistas pela primeira vez pelo sábio italiano Galileu Galilei, em mil seiscentos e alguma coisa. (O pioneirismo dessa descoberta, aliás, foi reivindicado por um contemporâneo de Galileu, Simon Marius. Mas não vamos entrar no mérito dessa questão secular por eles mesmos mal-resolvida.)
Instalado à noite em locais estratégicos da cidade, através de suas lentes vimos a primeira vez aspectos maravilhosos do céu, como os quatro satélites interiores de Júpiter, os anéis de Saturno e as crateras da Lua. Imagens vistas pela primeira vez pelo sábio italiano Galileu Galilei, em mil seiscentos e alguma coisa. (O pioneirismo dessa descoberta, aliás, foi reivindicado por um contemporâneo de Galileu, Simon Marius. Mas não vamos entrar no mérito dessa questão secular por eles mesmos mal-resolvida.)
Não tardou para o Professor Farias conquistar nossa admiração. Mário Lira, Maurício Cardoso, Silvio R. Santos, Arievaldo Viana, Flávio Henrique, Lopes (De Vega) e eu o cercamos como a um verdadeiro mestre. Por ele fomos orientados a reconhecer as constelações, distinguir as estrelas por seu nome científico e grandeza; e vimos pelo seu telescópio Andrômeda, a galáxia irmã-gêmea da Via-Láctea, que calculam estar a trilhões de quilômetros da Terra.
Sua maior concessão, todavia, foi, em algumas ocasiões, deixar seu telescópio a nosso inteiro dispor. Vila Campos, por conta disso, foi estampada em jornal, quando Silvio R. Santos e Arievaldo redigiam o extinto A Voz do Povo, informativo mais destinado aos interesses da municipalidade do que a assuntos celestes. Incluindo-se por conta própria na comunidade astronômica internacional, Professor Farias afirmava seguro ter contato direto com dignitários dessa ciência em todo o mundo. Certa vez na Vila Campos, contemplando um morro nos arredores de minha moradia, como se olhara o Monte Palomar, encontrou ali o local exato para instalação de um grande observatório, cujos equipamentos, segundo ele, mandaria vir da Rússia. Quanto sonho!
Sua maior concessão, todavia, foi, em algumas ocasiões, deixar seu telescópio a nosso inteiro dispor. Vila Campos, por conta disso, foi estampada em jornal, quando Silvio R. Santos e Arievaldo redigiam o extinto A Voz do Povo, informativo mais destinado aos interesses da municipalidade do que a assuntos celestes. Incluindo-se por conta própria na comunidade astronômica internacional, Professor Farias afirmava seguro ter contato direto com dignitários dessa ciência em todo o mundo. Certa vez na Vila Campos, contemplando um morro nos arredores de minha moradia, como se olhara o Monte Palomar, encontrou ali o local exato para instalação de um grande observatório, cujos equipamentos, segundo ele, mandaria vir da Rússia. Quanto sonho!
A astronomia era seu sacerdócio. O céu inteiro era do Professor Farias. Nessa época de glória, ele foi a vedete nas escolas de Canindé, que o intimavam a participar de eventos os mais diversos. Num desses, desfilou em carro aberto como atração cívica na parada do 7 de Setembro, exibindo a todos seu estimado telescópio. Sentia-se elevado quando o chamavam de astrônomo e diminuído se o chamavam de astrólogo. Uma noite, enquanto subia o alto do Monte com seu aparelho, em busca de uma atmosfera mais favorável a suas observações, ouviu alguém murmurar da calçada: “Ali vai o astrólogo Farias com sua luneta”. Foi o bastante para ele agastar-se e desistir de patrulhar os astros naquela ocasião. Centrado nas coisas do céu, ele pisava descuidoso na terra. A permanência em Canindé foi tornando-o bisonho e desgastado. Uma tentativa ridícula e frustrante à vereança local acabou de aniquilar-lhe os ânimos. A última vez que ressurgiu por aqui, arrastava um filho radicalmente avesso aos gostos do pai. E com este desapareceu de vez, como um cometa, até os dias de hoje. Professor Eliúd Farias nos deixou como herança a tradição de olhar o céu pelo telescópio. E desde então, toda vez que volto os olhos para o Firmamento, é-me impossível não relembrar seus sonhos e ideais loucos que ainda vagueiam, quem sabe, por entre as mesmas estrelas…
Olhar o céu pelo telescópio é tradição que herdamos do Professor Farias |
Minha lembrança do teacher Farias decorre de um 7 de setembro, em que o vi, a rigor, em cima de um "carro alegórico", desfilando pela av. Joaquim Magalhães. Farias veio juntar à fome a vontade comer, pois leitores onívoros que éramos, havia mesmo grande necessidade de constatação prática dos fenômenos astronômicos. Esse instrumento primordial que me foi emprestado solidariamente pelo autor da crônica, permitiu que eu visse emocionado as várias fases dos satélites de Júpiter, salvo engano. É de espantar que da juventude atual com a vitalidade a toda prova, não surja a curiosidade que tanto nos afligia naquela época, sim porque a primeira vez aque assisti à serie Cosmos foi em preto e branco e os jovens atuais contam com a ubíqua www...rrssssss Mas tirante o humor(Arievaldo por exemplo preferiu apontar as já faladas lentes na direção do açude São Mateus, em pleno dia, em busca de outras luzes) a Vila Campos sempre me pareceu o lugar ideal para se erguer um observatório. Mantenha a tradição, poeta.
ResponderExcluirO estudo da astronomia se faz primordial na época do armazenamento de dados "em nuvem", o que fará com que o hardware passe a ser mero detalhe. Isto se dará porque para tal empreendimento os satélites artificiais servirão de base para a comunicação mundial, o que na realidade já ocorre, mas é que pinta no horizonte uma guerra espacial, para ver quem dominará esse território e os alvos serão justamente essa invenção prevista por Arthur Clark, que por sinal não ficou bilionário por causa de sua previsão.
ResponderExcluirTem uma ótima anedota do professor Eliúde Farias. Ele chegou a canindé, salvo engano, trazido pelo nosso amigo Silvio Leite e teve que viajar "a trabalho" para o vizinho município de Santa Quitéria. Na hora do almoço foi levado a um restaurante chamado URANO. Muito lhe encantou que o nome de um dos planetas do Sistema Solar fosse emprestado a uma casa de repasto nos confins do hinterland cearense. Após a refeição, procurou o proprietário do estabelecimento para parabenizá-lo:
ResponderExcluir- O senhor gosta de Astronomia? Percebi que botou o nome de um planeta no seu estabelecimento.
O homenzinho, limpando a mesa e recolhendo os pratos, não entendeu a princípio aquela abordagem repentina, mas saiu-se com essa:
- Num é pranêta, não, dotô... é pru causo de uma mina de "urano" que tem aqui na região!
kkkkkkkkkkkkkkk
Excelente, Cancão, recolha isto em livro, rapaz.
ResponderExcluirExcelente a descrição do prof. Farias feita por Pedro Paulo. Farias, na sua grandeza de alma e de ideal, contribuiu de maneira brilhante com as sementinhas de amor à Ciência (que é uma das inúmeras formas de amor a Deus, embora muitos o façam inconscientemente)que plantou no nosso solo árido (de água e de ideais) de Canindé. Como tão bem disse Pedro Paulo: "Centrado nas coisas do céu, ele pisava descuidoso na terra."
ResponderExcluirLembro muito bem que Farias, num momento de sonho (ele era um grande sonhador, isso é sublime e raro), disse que o Ronaldo (R. Rogério Freitas Mourão, o maior astrônomo brasileiro) parecia estar noutro mundo, com o seu olhar como que fixo constantemente nos astros. Dizia Farias que era amigo dele, como também de outros cientistas, e que estiveram conversando algumas vezes. Em espírito, com certeza; fisicamente, talvez, isto não nos interessa.
A semente que o prof. Farias plantou em Canindé com certeza deu frutos, e o pequeno observatório amador que o Pedro Paulo mantém na Vila Campos está multiplicando, ao despertar o interesse de jovens (inclusive uma criancinha que é sobrinha do Pedro) para a beleza inefável que é o Cosmos, tão brilhantemente descrita na série Cosmos, de Carl Sagan, um poeta romântico (em sentido figurado) das maravilhas do Universo. Percebe-se na série Cosmos o charme e o entusiasmo nobre com o qual Sagan romanceou a história da ciência no nosso planeta e as magníficas belezas que são as galáxias, quasares, estrelas gigantes, supernovas e tantos outros astros.
O entusiasmo (a etimologia dessa palavra é "cheio de Deus") de Farias com a Ciência era o mesmo de Carl Sagan. E pode vir a ser de outras pessoas, especialmente crianças e adolescentes, que forem discípulos, ainda que em curtos momentos, do Pedro Paulo.
Flávio Henrique
Flávio Henrique enfatizou mais ainda o espírito desprendido do Prof. Farias. Uma esperança nossa seria obter ainda alguma notícia dele, que marcou uma época entre a gente em Canindé. Personalidades assim impressionam pela capacidade de renúncia a tanta coisa que acorrenta hoje em dia a grande maioria das pessoas. Sempre que reencontro o Flávio, lembramos do Farias com certa saudade. Ele era um grande amigo.
ResponderExcluirGente, uma curiosidade...ao ler o texto e os comentários fiquei em dúvida....afinal, o prof. Farias faleceu? Ou apenas vocês não tem mais contato com ele?
ResponderExcluirProf. Farias desapareceu de Canindé por volta de 1989 e nunca mais apareceu. Já o procuramos na internet, sem sucesso. Infelizmente.
ResponderExcluir