sexta-feira, 21 de abril de 2017

CRÔNICA

A RUA DA MINHA INFÂNCIA


Freitas de Assis

Depois de uma semana de muitos afazeres domésticos e resolução de problemas, que graças ao bom Deus existem para que possamos solucioná-los, chega o domingo e o começo bem cedo com uma boa caminhada onde sempre encontro velhos amigos de longa estrada, como o professor Zé Parecido, de minha querida CNEC; o colega dos tempos de vôlei Junior Martins e eventualmente um ou outro companheiro de profissão que madrugam com a mesma intenção que a minha. Depois de chegar a casa e ajudando a esposa nas corriqueiras tarefas domésticas, após o café da manhã começo a ver meu material de trabalho já para a segunda-feira, pois as merecidas férias estão dando um até breve. Uma olhada no cinto de guarnição, uma escovada nos coturnos e demais aparatos do fardamento, companheiros de um quarto de século de minha ingrata profissão, completam a prévia preparação da jornada que se aproxima. Depois tento colocar a leitura em dia.
É um domingo de março chuvoso e esperançoso depois de um longo e sofrido período de seca, que só não foi pior por vivermos em tempos modernos, de estradas e transportes relativamente disponíveis, que trazem mercadorias de rincões distantes sem mencionar o assistencialismo paternal do benevolente governo distribuindo água em carros-pipa, construindo cisternas, perfurando poços profundos e distribuindo renda em programas sociais diversos. Neste domingo tedioso, ainda organizando a bagunça de minha nova morada, depois de anos do aluguel comendo no mesmo prato, tiro um cochilo após uma providencial galinha caipira doada por dona Iracema, minha cunhada que veio nos visitar vinda da distante e acolhedora Hidrolândia, terra de gente boa e amizade sincera e que me traz boas lembranças dos tempos em que lá habitei.
Neste chuvoso dia, observo a água que nos refresca e enche grotas e rios, abastece os nossos açudes, mas é também um calmante natural. Sentado em uma cadeira de balanço e observando a chuva, o pensamento flutua e devaneia, deixando a mente livre, quase em Nirvana, e nos permite até a um cochilo sentado, pois o local em que moro atualmente é muito tranquilo e de poucos vizinhos, por enquanto. As ruas que ficam por trás são mais habitadas.  A modorra é quebrada eventualmente apenas pelo teste de famigerados paredões de som em uma loja especializada que fica bem próximo, mas nada que incomode – e domingo ela é fechada. Morando próximo, na mesma rua, apenas o comunicador Assis Vieira e sua família, incluindo aí sua genitora, dona Maristela, irmã da espirituosa e jovem octogenária dona Heloísa, matriarca da família de estimados e numerosos amigos de tempos imemoriais.
E por falar em vizinhança, da jovialidade de anciãos e lugares onde já morei, como Santa Quitéria e Hidrolândia, não posso esquecer da rua Romeu Martins, onde ainda mora minha querida mãe e duas irmãs com ela, além de três netos. É bastante extensa a rua, mas o pequeno trecho onde tenho mais amigos e conhecidos desde longa data é o compreendido entre as proximidades da casa do Zé Carneiro, saudoso sapateiro, e da mercearia do seu Zé Bezerra. Mas entre este dois tem a casa dos moradores mais antigos como a da dona “de Deus”, dona Nita, seu Dino, seu Silveira, Dona Socorro, Maísa e Edmar; Luís Doca e dona Hilda. Meu amigo seu Expedito, que Deus o tenha em sua Graça.  Seu Cid, Dona Zeza e seu Augusto, também meu saudoso amigo. E ainda meus inúmeros amigos policiais contemporâneos de profissão. São tantos e todos os que citei... Os mais antigos beiram os setenta anos; outros, como seu Dino e dona Zeza, já com mais de noventa. Foram anos bons os que eu vivi por lá. Sempre que posso vou visitar minha mãe e comer alguns quitutes com gosto de infância.
Mas neste domingo chuvoso liguei para ela e não fui atendido. Consigo falar com minha irmã e pergunto por ela. Estava na casa do seu Riba prestando solidariedade para dona Bete, sua esposa. Que fez o mesmo por minha mãe quando meu pai foi ao encontro do Criador. Seu Riba faleceu no fim desta tarde chuvosa. Fiquei triste pela notícia. Como não ficar? Termino estas mal traçadas com os olhos marejados. Minha rua ficou mais triste e vazia. Alguns dos meus amigos sentirão mais a partida do velho comerciante. Gostavam de prosear com ele enquanto degustavam alguma bebida. Quanto aos que não citei, desculpem, faltou espaço no papel, mas não em meu coração.
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* Sargento PM, colaborador do Blog.

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