quarta-feira, 31 de outubro de 2012

CORDEL NA INTERNET


Leia a seguir a peleja em versos que tive com o poeta Aderaldo Luciano, um cearense da região do Crato morando atualmente no Rio de Janeiro. Provoquei o poeta, quando o vi de volta ao convívio dos amigos no Facebook, depois de um período em que ele esteve ausente dessa rede social na internet. Aderaldo respondeu à minha provocação e a coisa transformou-se numa autêntica cantoria na noite de 29 de outubro. A lua plena no céu sem nuvens nos convidava a rimar – eu aqui na Vila Campos, em pleno Sertão Central do Ceará, e Aderaldo Luciano na capital fluminense. Trocando a viola pelo teclado do computador, parecia que estávamos frente a frente no terreiro, engalfinhados nesta cantoria em tempo real através do milagre fantástico da comunicação eletrônica.

A. Luciano e PPP

PELEJA DOS POETAS: 
PEDRO PAULO PAULINO 
E ADERALDO LUCIANO

Aderaldo Luciano,
Poeta de inspiração,
Desapareceu do “Face”,
Sem dar mais explicação.
Mas agora está de volta,
Sem precisar de escolta,
Para alegrar o sertão.

Foi Pedro Paulo Paulino,
Poeta de pé-rachado,
Quem liderou a revolta
Da planta contra o machado.
Passados, do tempo, os lastros
Ainda veremos rastros
Do seu trabalho pesado.

PP - Nessa luta fabulosa,
Rachei do meu pé a planta,
Defendendo a natureza,
Condenando quem não planta.
Posso afirmar, consciente:
Nem a Dilma, presidente,
Meu projeto não suplanta.

AL - Meus dedos detêm as farpas,
Furei as mãos nos espinhos.
Das taliscas de madeira
Recebi rudes carinhos.
Cipoadas de aroeiras,
Armadilhas traiçoeiras
Adornavam meus caminhos.

PP - Os cactos do meu terreiro,
Com a seca tão horrenda,
Se tornaram bons amigos
(Que o espinho não me ofenda!).
O verde daqui migrou,
Só mandacaru ficou
Alegrando esta vivenda.

AL - A paisagem benfazeja
De ti jamais terá pena:
Quando a noite vai caindo
É hora de paz amena.
Enquanto isso o que vejo
É carro com seu sobejo,
Fiação, poste e antena.

PP - Corra pra sua janela,
Veja a lua como está:
Mais parece uma criança
Jogada num caçuá,
Ou por outra uma pepita
Que surgiu grande e bonita
No céu do meu Ceará.

AL - Estou vendo a lua grávida
De luz em alta voltagem.
A saudade do sertão:
Companheira de viagem.
Vou me deitar no sereno
Feito um menino pequeno
Só pra contar pabulagem!

PP - A Lua é grande presença
Quando a noite se avizinha.
Todo astro em sua volta
Olha quando ela caminha
No céu, bonita e fagueira...
É ela a melhor parceira
Nesta soledade minha.

AL - Queria que a lua fosse
A lápide no meu jazigo.
Pois é o mármore mais branco
Entre os brancos que persigo.
Só confesso esta vontade
Pois na minha soledade
A lua dorme comigo.

PP - Eu estava observando
Júpiter, bem sorrateiro,
Seguindo os passos da Lua
De modo muito ligeiro,
Com pressa pra acompanhar
A Lua, em algum lugar
Desse céu alcoviteiro.

AL - Da Lua, quero o clarão.
De Júpiter, quero o tamanho.
Das águas de Iracema,
Quero o afago de um banho.
Do céu espero um corisco
Que com fogo faça um risco
Escrevendo um texto estranho.

PP - Poeta, agora responda
Qual a sua sensação
Vivendo assim tão distante
Do seu querido rincão?
Quem mora aí na cidade
Como é que mata a saudade
Do nosso velho sertão?

AL - Se eu matar a saudade
Com ela também me mato.
A distância do torrão
É o almoço mais ingrato.
Eu tenho ali uma rede
É nela que mato a sede
Do Juazeiro e do Crato.

PP - Embalando nessa rede,
Você só deve escutar
Luiz, Jackson, Ary Lobo,
Que não param de cantar...
Todos já foram embora,
Mas aqui a todo hora
Cantam, cantam sem parar.

AL - Poeta tens a vidência,
Sabes bem de nossas dores.
Pois quem vive desterrado
Prova de tristes sabores
E só dribla as tristes sinas
Com as canções nordestinas
Na voz de nossos cantores.

PP - Desta forma eu imagino
Como a saudade é gigante
De quem curte uma saudade
Do chão que ficou distante.
O seu coração se esmaga
Quando escuta de Gonzaga
“A vida do viajante”...

AL - Gonzaga em primeiro plano
Desenhando as melodias
Enquanto as aves celestes
Trazem velhas cantorias
De poetas encantados
Cortando com seus arados
A dor de todos os dias.

PP - Ouvir Gonzaga, distante,
Talvez seja mais gostoso,
Pois a saudade é tempero
Dum coração amoroso.
O mesmo é ler no papel
Em folheto de cordel
O “Pavão misterioso”.

AL - O Pavão é outro esteio
Na vida do retirante.
O seu voo é projetado
No coração do amante.
Passam dias, anos, eras,
Lobisomens, bestas-feras
E ele a voar, brilhante!

PP - Eu te comparo ao pavão,
Porém, sem nenhum mistério,
Que fugiu de sua terra
E foi para outro hemisfério,
Mas que compõe, canta e rima
E além de tudo estima
O poeta, quando sério.

AL - O engenheiro Edmundo,
quem construiu o pavão,
Trazia trancafiado
O signo de Salomão.
Desde o tempo de menino
Que Pedro Paulo Paulino
Tomou com ele a lição.

PP - É um mestre consagrado
Que devemos respeitar,
Construiu o seu pavão
Misterioso no ar...
De modo que hoje em dia
Sem a sua poesia
Não tem quem saiba voar.

AL - A poesia é um porto
Onde abrigo meu navio.
Nas docas guardo meus fardos,
No cais eu me distancio,
Busco outros mares sonhando,
Vejo o pavão flutuando
Por cima do mar bravio.

PP - Eu, que vivo no estio,
Sonhando com chuva à beça,
Ouvindo você falar
De uma coisa linda dessa,
Sinto uma certa opressão
Bem dentro do coração...
Pra chover, faço promessa.

AL - Quando a chuva prometida
É escassa ou demorada
Deixa uma ferida aberta
Cavada por uma enxada.
A terra sangra sem sangue,
Seu coração vira um mangue
De tanto furo de espada.

PP - Poeta, por gentileza,
Conte em sua tabuada
Quantas estrofes fizemos
Nesta noite enluarada.
28 é bom demais,
Mas se precisar de mais,
Vamos varar madrugada.

AL - São trinta e uma as estrofes
Para fazer o cordel
Sendo quatro em cada página
Quando dobrado o papel.
Três estrofes na primeira,
Capa, grampo, empilhadeira,
Vendido sempre a granel.

PP - Grande poeta, obrigado
Por essas estrofes suas.
Voltaremos a rimar
Outras noites, outras luas...
Pra você, um forte abraço.
Com esta estrofe que faço,
Somam logo trinta e duas.

AL - Agora vamos reler
E fazer adequações:
Se tem algum pé quebrado
Ou quaisquer alterações.
Foi boa a noite rimada
Vendo a lua prateada
Iluminando os sertões.

PP - Releitura é necessária,
Vamos reler, sim senhor.
O meu verso, junto ao seu,
Encontra maior valor.
Eu vou passar pro papel
Estes versos de cordel
Para entregar ao leitor.


♦♦♦

Aderaldo Luciano é poeta, escritor, professor e editor.





3 comentários:

  1. Muitas coisas me impressionaram neste cordel: a presença constante de espírito, a brincadeira com os astros, a correção do português, a riqueza das rimas. Magnífico!

    Flávio Henrique

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  2. De uma brincadeira, um caso sério. Rimas ricas de um bom humor refinado! Parabéns Mestre.

    Pretto

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  3. Do Mestre Aderaldo e Pedro Paulo, eu espero sempre excelência! Excelência nos versos, excelência na visão do mundo! Que bom ter a oportunidade de lê-los!
    Silvana Andrade

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